Blog do Prof. Pascoal Vaz

sábado, 5 de novembro de 2011

O DRAMA DE UM BEBÊ DE CINCO MESES

Acabo de ler editorial de A Tribuna de 04/11/11 sobre bebê internado no Hospital Guilherme Álvaro. Sofre de cardiopatia congênita e não pode ser operado por falta de vaga em UTI/SUS. Impossível conter a revolta. Não se trata de um caso, de um “acaso”. A situação da saúde no Brasil é corriqueiramente calamitosa. E nos municípios da Baixada Santista também. São inúmeras as denúncias de mau atendimento, ou de nenhum. Há pouco, uma senhora de 78 anos ficou vinte dias com o fêmur partido aguardando cirurgia na Santa Casa, uma criança morreu no HGA por falta de UTI. A espera por consultas e exames é enorme. Os serviços de urgência são deprimentes.
Agora, o caso desse bebê. O médico César Conforti, profissional reconhecidamente competente acusa, sem meias palavras, que muitas crianças têm morrido por falta desses leitos e que se dez novos leitos forem abertos, ainda assim serão poucos.
Vi homens colocando tapumes em canteiro de obras no posto da praia do emissário submarino em Santos em pleno feriado nacional de Finados. As obras do Itaquerão, para o qual foram cedidos R$ 420 milhões de recursos públicos, estão sendo aceleradas com trabalho em turno para garantir que fiquem prontas até a Copa do Mundo. O trem bala que transportará quarenta mil passageiros/dia entre S. Paulo e Rio custará R$ 50 bilhões, montante que seria suficiente para ampliar o metrô paulistano no atendimento de mais 6 milhões de passageiros/dia. Nos últimos tempos, nos chegam notícias de bilhões de dólares para o pré-sal, da triplicação do movimento do porto santista em poucos anos, do “boom” imobiliário e milionário. Está sendo dada a mesma priorização e urgência, por exemplo, à reativação do Hospital dos Estivadores e à reforma da UTI pediátrica do HGA?
Especialmente em país das desigualdades do Brasil, as decisões comandadas pelos preceitos capitalistas exigem controle estatal. Os homens públicos precisam ter a qualidade de compreender isto e se esmerar em políticas públicas que corrijam as tão conhecidas falhas do mercado na alocação dos recursos sociais, o egoísmo dos insensíveis e o atrevimento despudorado dos corruptos ativos e passivos.
Desejamos todos que Lula se restabeleça plenamente. Votei nele, tornarei a votar se for candidato novamente pois, se nada mais tivesse feito, concretizou o conceito de inclusão social como direito fundamental e natural. Dilma vai no mesmo caminho. Sinto que ambos têm compromisso com os mais pobres. Por isso aceito que tratem seus cânceres em serviço privado, pagos por seus planos de saúde, como eu mesmo fiz. Mas é inevitável pensar que estaríamos provavelmente todos mortos se fôssemos atendidos normalmente pelo serviço público de saúde. Espero que o sentimento de que fomos privilegiados pela dádiva de continuar vivendo, ao ter acesso a serviços de qualidade de primeiro mundo, aguce ainda mais em Lula e Dilma o sentimento de injustiça em relação aos que não têm a mesma oportunidade.
Confesso que meu coração conflita com meu cérebro, pois a razão me diz que, se todos, homens públicos, empresários e povo em geral, tivessem suas vidas valorizadas igualmente e fossem todos tratados por um mesmo sistema universal de saúde pública, a qualidade destes serviços seria muitíssimo melhor.
Se esse curumim de cinco meses morrer, quem vai para o banco dos réus? Para os que não sabem, curumim é expressão tupi-guarani que significa exclusivamente criança. A língua indígena não possui palavra para designar filho ou neto. Entre aqueles “bárbaros”, todos são filhos de todos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Artigo desnuda saúde no Brasil

Lençol que forra bolsos falta nas macas

Por Maria Cristina Fernandes
Passou quase desapercebida pela classe média, embora diga respeito à saúde de 145 milhões de brasileiros que usam exclusivamente o SUS, a manifestação nacional de médicos da última terça-feira.
A pauta dos manifestantes não inclui a reedição da CPMF mas é cristalina na argumentação de que a vida não tem preço mas a medicina tem um custo.
A explosão de consumo no Brasil corta lençóis infectados de hospitais de excelência para forrar o bolso de calças jeans. A mesma classe C que enche as sacolas é atendida em hospitais em que macas sem lençóis são o menor dos problemas.
As imagens de pacientes entubados no chão ou sentados segurando o próprio soro são comuns aos telespectadores. Os números apresentados pela pauta dos manifestantes são menos conhecidos.
Nos últimos dez anos, segundo o Conselho Federal de Medicina, o SUS perdeu 203 mil leitos. Em 20 Estados, o número de leitos disponível é menor do que o recomendado pelo Ministério da Saúde. Centenas de hospitais Brasil afora descredenciaram-se da rede pública e passaram a atender a pacientes de planos privados de saúde.
Consulta pediátrica é remunerada no SUS por R$ 2,50
A tabela de honorários do SUS para os procedimentos médicos é uma parte da explicação. O Sistema Único de Saúde paga R$ 2,50 por consulta de um pediatra de hospital público. Por um parto normal que leva dois dias de internação e ocupa dois obstetras e um anestesista a tabela prevê o pagamento de R$ 175,80. Um paciente que chegue a um hospital para se tratar de um acidente vascular cerebral fica internado durante uma média de sete dias. O SUS prevê que o neurologista que fica a cargo deste paciente receba R$ 9,40 por dia.
Não surpreende, portanto, que os concursos públicos para médicos custem a preencher suas vagas enquanto a classe média alta se orgulha em pagar R$ 900 por uma consulta com "meu médico".
Em discurso que fez na aula inaugural do curso de Medicina do campus de Garanhuns da Universidade de Pernambuco no mês passado, a presidente da República Dilma Rousseff disse ter por meta acrescentar 4,5 mil médicos aos 16,5 mil que as faculdades jogam anualmente no mercado.
Creditar a crise na saúde à ausência de médicos é mais ou menos como atribuir os gargalos da infraestrutura ao apagão de engenheiros.
É só observar a curva da Selic nas últimas décadas para entender por que o mercado financeiro virou o grande empregador de engenheiros no país.
Da mesma forma, basta examinar a tabela de honorários do SUS para entender por que sobram médicos na rede privada e faltam na pública. São Paulo, por exemplo, o Estado melhor aparelhado de hospitais privados, tem, proporcionalmente, mais médicos que o Canadá. Os 20 mil habitantes de Oiapoque (AP), cidade a 500 km da capital, contam com apenas dois médicos. No Estado inteiro registram-se apenas cinco psiquiatras para uma população de mais de 600 mil habitantes.
O Conselho Federal de Medicina argumenta que os médicos só serão melhor distribuídos pelo território nacional quando tiverem uma carreira de Estado, assim como o Judiciário ou o Ministério Público. É a esta diferença, e não apenas a um salário de entrada na magistratura em média três vezes mais alto que os R$ 1.946 da média nos hospitais do setor público, que Aloísio Tibiriçá atribui o fato de que há sempre um juiz em pequenas comarcas do interior mas faltam médicos.
A carreira de Estado vai de encontro à transformação de hospitais públicos em fundações adotadas em vários Estados e objeto de um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional.
Os manifestantes da terça não defendem a aprovação de um novo imposto para a saúde. Preferem a redução da Selic e o aumento da arrecadação. Como todos os militantes do setor, Aloísio Tibiriçá saca de pronto a numeralha: a cada ponto a menos na Selic o Tesouro economiza R$ 10 bi. Com o corte de três pontos a Saúde teria o que precisa - se a torcida do Corinthians também não quisesse o mesmo.
Militam pela regulamentação da emenda 29, que prevê o mínimo de recursos que União, Estados e municípios devem aplicar na saúde. Defendem o projeto que tramita no Senado e não o da Câmara. O primeiro prevê a elevação de gastos até 10% do PIB. O da Câmara não aumenta gastos, apenas coíbe o desvio de recursos da saúde para outras rubricas.
Adam Przeworski, cientista político polonês radicado nos Estados Unidos e professor da Universidade de Nova York fez recentemente um palestra em São Paulo. Analisou os dados de vários países tentando explicar por que a globalização não tinha sido capaz de reduzir a desigualdade. Fincou o pé no argumento de que políticas públicas que universalizam oportunidades na educação e na saúde são muito mais eficazes na redução da pobreza do que as políticas de redistribuição de renda que não proporcionam as condições de uma melhoria continuada.
Ao chegar no caso brasileiro, Przeworski pediu desculpas aos dois últimos presidentes que estabilizaram a moeda e expandiram o Bolsa Família para afirmar que o programa mais eficaz na redução da pobreza no Brasil foi o SUS, criado pela Constituição de 1988, em pleno governo José Sarney.
Foi a partir do SUS que o Brasil reduziu a mortalidade e aumentou a longevidade. As crianças sobreviventes passaram a ter pais com mais tempo de vida para lhes prover uma melhor subsistência.
Com o envelhecimento da população, porém, cresceram as doenças crônicas, mais caras no diagnóstico e tratamento. Com o aumento da violência, os serviços de emergência e de UTI, presentes hoje em apenas 10% dos municípios, também passaram a ser mais demandados.
Tanto os que envelhecem sem franco acesso à assistência médica quanto as vítimas de violência são majoritariamente recrutados entre os mais pobres, usuários do SUS. A precarização de seu atendimento é, portanto, a ameaça mais latente para que o sistema, de revolucionário programa social, passe a contribuir para o retrocesso das condições de vida da população.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Maria Cristina Fernandes

Maria Cristina Fernandes é editora de Política e colunista do Valor Econômico desde a fundação do jornal em maio de 2000. Integrou a equipe que fundou a revista "Época", publicação da qual foi repórter especial. Foi editora de Política da "Gazeta Mercantil", subeditora da revista "Veja" e repórter do "Jornal do Comércio". É formada em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e em História pela Universidade Federal de Pernambuco. É mestre em Política Comparada pela Universidade de Paris I e em Política Latino-Americana pela Universidade de Londres.



terça-feira, 20 de setembro de 2011

CÃES FREQUENTEMENTE DEIXAM DE SER "DÓCEIS"

Transcrevo artigo de Rafael Motta, em A Tribuna. Veja, a seguir, meu comentário.

 

O homem precisa se mostrar racional

Baixada Santista
Postado por: Rafael Motta - Subeditor de Baixada Santista - 20/09/2011


    Este leigo em animais pergunta: os cães têm maldade ou agem por instinto? Dúvida à parte, sabe-se que o treinamento e condições adequadas de alojamento e alimentação são capazes de condicionar um cachorro a manter o controle – e, mesmo, a ´perdê-lo´ diante de um criminoso ou um fugitivo.

    Muitos veem seus cães como filhos e assim os tratam. Portanto, um animal também precisa ser educado, adestrado, ter limites impostos, para que não venha a se tornar uma ameaça à segurança de outros bichos e pessoas próximos a ele. Com gente, cuja ´vantagem´ está em ser racional, é assim.

    Mas há quem tenha em seu cachorro um brinquedo ou um segurança de quintal. Esses são os donos irresponsáveis, que, a julgar pela frequência com que se publicam reportagens de ataques de cães a pedestres de quaisquer idades, estão em todo canto impunemente.

    Vive-se um estágio social no qual se tenta, com justiça, ampliar os direitos dos animais. Moradia digna, vacinas, erradicação de maus-tratos e do abandono. Pois fica a sugestão: só terá direito de adotar um animal, sobretudo se for de raça tida como violenta, quem comprovar que pode mantê-lo.

    Não se pode permitir a um idoso frágil passear com dois rottweilers, pelos quais acaba sendo arrastado. Deve-se impedir que uma criança fique em companhia de um cão maior do que ela. Maldade? Mas, e o instinto animal? Ora, racionais devem ser os humanos. Que não se atribua aos cães um discernimento que não têm.
     
    COMENTÁRIO DO PASCOAL
    Meu cão é de raça brava mas é "dócil" e "treinado". É assim que ouço falar. Este é o grande engano, inclusive por pessoas de bem. Frente qualquer atitude devemos sempre pesar a "probabilidade" de algo acontecer contra a "gravidade" se esse algo ocorrer. Se a "gravidade" é alta, sérias providencias devem ser tomadas mesmo que a "probalilidade" de ocorrência seja baixa. Tem acontecido com frequencia pessoas e animais serem mortos por esse tipo de cachorro. SUGESTÕES: a) um telefone de emergência para quando nos defrontarmos com pessoas passeando com cachorro bravo sem guia e fucinheira. A lei estadual está aí: 11531/03. É preciso denunciar tais pessoas. b) Ampla campanha sobre o assunto.  
     

    sábado, 17 de setembro de 2011

    MENININHA MORRE POR FALTA DE UTI

    O texto da Fabiana comove e causa indignação. A seguir a ele fiz comentário com propostas

    Postado por: Fabiana Honorato - Subeditora de Baixada Santista - 15/09/2011


      Ao ler o texto sobre a morte de uma menina de 2 anos e dez meses, por falta de uma unidade de terapia intensiva (UTI) no Hospital Guilherme Álvaro (HGA), em Santos, tive a vontande instintiva de pegar minha bolsa, levantar da minha mesa de trabalho e correr para casa, ao encontro dos meus filhos. Um deles com idade próxima à da criança que veio de Cananeia em busca do hospital tido como referência na região.

      Impossível não fazer comparações numa situação destas. Da mesma forma, impossível não se comover, indignar, revoltar ao saber que uma vida fora perdida pela ausência de uma estrutura adequada.

      Mas seria muito cômodo, no conforto da minha casa, lamentar a perda que uma família chora exatamente agora.

      Assim como os funcionários que denunciaram o caso a A Tribuna, espero fazer parte de uma corrente que resulte na mudança de uma situação triste e perigosa para toda a região.

      Seria necessário tanto tempo para a reforma de um setor imprescindível para toda a região? De que forma o hospital poderia reverter a carência destes leitos, garantindo a mesma estrutura para quem precisa do atendimento na UTI? Quantas crianças precisarão morrer para que o Governo do Estado perceba a urgência de mais leitos pediátricos de UTI na Baixada Santista.

      São questionamentos que muitos se fazem e para os quais faltam respostas coerentes e convincentes. Afinal, não podemos aceitar que um hospital do porte do HGA precise dividir seus especialistas entre dois setores por falta de profissionais que aceitem o salário oferecido para tamanha responsabilidade.

      No entanto, fica muito fácil decidir certas reestruturações, para encobrir o sol com a peneira, sentando em uma sala climatiza e sendo servido com cafezinho fresco.

      Se, por um instante, os donos da caneta se colocassem no lugar dos pais da menina de Cananeia talvez os rumos da saúde na região e no Brasil poderiam começar a mudar.

      Não é porque eu posso ter um atendimento privilegiado, graças ao plano de saúde, que deixarei de lado a briga pela saúde pública de qualidade.

      Vale lembrar, ainda, que as eleições estão batendo à porta e é nesta hora que podemos separar o joio do trigo, escolhendo quem se compremete com a nossa região, na teoria e na prática. E excluindo aqueles que nos usam como plataforma, para galgar a passos largos a escadaria do poder, sem nada fazer pelos seus eleitores.

      Diante de um desfecho tão triste e irreparável como a morte de um filho, talvez a indignação possa nos instigar a fazer melhores escolhas e cobrar a execução de medidas que assegurem os direitos básicos de um cidadão.

      Para que as lágrimas não corram em nossos próprios rostos.

      Comentários

      José Pascoal Vaz , 17/09/2011
      A dor e a indignação da Fabiana é a dor de todos nós. O ponto central é mesmo a indiferença daqueles que deveriam fazer sua obrigação e não fazem, simplesmente porque não se colocam no lugar dos mais necessitados. É que, quando precisam, são atendidos em serviços privados. Seria o caso de os governantes e seus nomeados (sejam do executivo, legislativo, judiciário) se comprometerem, ao tomar posse, a dar preferencia aos serviços públicos de saúde em caso de adoecerem, e sem privilégios no atendimento quanto à espera e qualidade. Mas isto é utopia. De concreto poder-se-ia criar um Observatório da Saúde. Não sabemos nada, e creio que as autoridades tb. não, sobre o atendimento público e privado da saúde na Bx. Santista. Sabemos do caos por casos que nos chegam, como o da velhinha que ficou 20 dias de femur quebrado à espera de cirurgia por falta de vagas, da estúpida morte dessa menininha etc. Com informações corretas poderiamos pressionar fortemente as autoridades. 

      quinta-feira, 8 de setembro de 2011

      A ECONOMIA DA FELICIDADE

      Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico, 30-08-2011


      30/08/2011 0

      A economia da felicidade

      Por Jeffrey D. Sachs
      Vivemos em tempos de altas ansiedades. Apesar de o mundo usufruir de uma riqueza total sem precedentes, também há ampla insegurança, agitação e insatisfação. Nos Estados Unidos, uma grande maioria dos americanos acredita que o país está "no caminho errado". O pessimismo está nas alturas. O mesmo vale para muitos outros lugares.
      Tendo essa situação como pano de fundo, chegou a hora de reconsiderar as fontes básicas de felicidade em nossa vida econômica. A busca incansável de rendas maiores vem nos levando a uma ansiedade e iniquidade sem precedentes, em vez de nos conduzir a uma maior felicidade e satisfação na vida. O progresso econômico é importante e pode melhorar a qualidade de vida, mas só se o buscarmos junto com outras metas.
      Nesse sentido, o Reino do Butão vem mostrando o caminho. Há 40 anos, o quarto rei do Butão, jovem e recém-entronado, fez uma escolha notável: o Butão deveria buscar a "Felicidade Nacional Bruta" (FNB), em vez do Produto Nacional Bruto (PNB). Desde então, o país vem experimentando uma abordagem alternativa e holística em relação ao desenvolvimento, que enfatiza não apenas o crescimento da economia, mas também a cultura, saúde mental, compaixão e comunidade.
      Dezenas de especialistas reuniram-se recentemente na capital do Butão, Thimbu, para fazer um balanço sobre o desempenho do país. Fui um dos coanfitriões, com o primeiro-ministro do Butão, Jigme Thinley, um líder em desenvolvimento sustentável e grande defensor do conceito de "FNB". A reunião ocorreu na esteira da declaração de julho da assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que convocou os países a avaliar como as políticas nacionais podem promover a felicidade em suas sociedades.
      Devemos sim apoiar o desenvolvimento e crescimento econômico, mas apenas dentro de um contexto mais amplo: um contexto que promova a sustentabilidade ambiental e os valores da compaixão e honestidade, necessários para criar a confiança social.
      Todos os que se reuniram em Thimbu concordaram sobre a importância de buscar a felicidade em vez da renda nacional. A questão que examinamos é como alcançar a felicidade em um mundo caracterizado pela rápida urbanização, meios de comunicação de massa, capitalismo global e degradação ambiental. Como nossa vida econômica pode ser reordenada para recriar um senso de comunidade, confiança e sustentabilidade ambiental?
      Estas foram algumas das conclusões iniciais. Primeira, não devemos menosprezar o valor do progresso econômico. Há sofrimento quando as pessoas passam fome, quando são privadas do atendimento de necessidades básicas, como água potável, atendimento médico e educação, ou empregos dignos.
      Segunda, a busca contínua do PNB, sem levar em conta outros objetivos, tampouco é caminho para a felicidade. Nos EUA, o PNB subiu acentuadamente nos últimos 40 anos, mas a felicidade, não. Em vez disso, a busca obstinada do PNB levou a grandes desigualdades de riqueza e poder - alimentadas pelo crescimento de uma grande subclasse --, aprisionou milhões de crianças na pobreza e provocou grave degradação ambiental.
      Terceira, a felicidade é alcançada por meio de uma abordagem de vida equilibrada, entre indivíduos e sociedade. Como indivíduos, somos infelizes quando nos é negado o atendimento de necessidades básicas materiais, mas também somos infelizes se a busca por rendas maiores substitui nosso foco na família, amigos, comunidade, compaixão e equilíbrio interno. Como sociedade, uma coisa é organizar políticas econômicas para manter os padrões de vida em alta, mas outra bem diferente é subordinar todos os valores da sociedade à busca do lucro.
      A política nos EUA, contudo, permitiu cada vez mais que os lucros empresariais dominassem todas as outras aspirações: igualdade, justiça, confiança, saúde física e mental e sustentabilidade ambiental. As contribuições de empresas a campanhas corroem cada vez mais o processo democrático, com a benção da Corte Suprema dos EUA.
      Quarta, o capitalismo global apresenta muitas ameaças diretas à felicidade. Está destruindo o ambiente com as mudanças climáticas e outros tipos de poluição, enquanto um fluxo incansável de propaganda da indústria petrolífera leva muitas pessoas a desconhecer o problema. Isso enfraquece a estabilidade mental e confiança social, com a incidência de depressões clínicas aparentemente em alta. Os meios de comunicação de massa se tornaram meio de distribuição de "mensagens" empresariais em grande parte abertamente contra a ciência, enquanto os americanos sofrem de um número cada vez de vícios de consumo.
      Consideremos como as lanchonetes de refeições rápidas usam óleos, gorduras, açúcares e outros ingredientes viciantes que criam uma dependência, prejudicial à saúde, em relação a alimentos que contribuem para a obesidade. Cerca de 30% dos americanos são obesos na atualidade. O resto do mundo acabará seguindo o mesmo caminho, a menos que os países restrinjam práticas empresariais perigosas, como a publicidade, voltada a crianças, de alimentos viciantes e prejudiciais à saúde.
      O problema não está apenas nos alimentos, a publicidade voltada às grandes massas contribuiu para muitos outros vícios de consumo, que implicam em altos custos à saúde pública, incluindo o hábito de ver televisão em excesso, apostas, uso de drogas, fumo e alcoolismo.
      Quinta, para promover a felicidade, precisamos identificar os muitos fatores além do PNB que podem melhorar ou piorar o bem-estar de uma sociedade. A maioria dos países investe para calcular o PNB, mas pouco gasta para identificar as fontes da má situação da área de saúde (como o fast-food e o tempo excessivo em frente à TV), o declínio da confiança social e a degradação ambiental. Uma vez que compreendamos esses fatores, teremos condições de agir.
      A busca insana pelos lucros empresariais ameaça a todos nós. Naturalmente, devemos apoiar o desenvolvimento e crescimento econômico, mas apenas dentro de um contexto mais amplo: um contexto que promova a sustentabilidade ambiental e os valores da compaixão e honestidade, necessários para criar a confiança social. A busca da felicidade não deveria ficar confinada ao belo reino montanhoso do Butão.
      Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas sobre as Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2011.

      quarta-feira, 7 de setembro de 2011

      ALGUMAS FRASES DE ESPERANÇA NESTE 7/SET EM BRASÍLIA

      Uma multidão foi ao "desfile" hoje, com frases como:

      ·       Político tem que usar serviço público
      ·       Roriz nunca mais
      ·       Pelo fim do voto secreto no plenário
      ·       Corrupção é crime hediondo
      ·       A revolução é você
      ·       País rico é país sem corrupção
      ·       Mais faxina
      ·       Corrupção: câncer da sociedade
      ·       Lugar de ladrão é no congresso do inferno

      ACRESCENTO UMA

      ·       Quem são, onde estão os corruptores?

      PROGRAMA POBRE

      Acabo de enviar à A Tribuna a carta abaixo, com o título acima, sobre o programa de "erradicação" da extrema pobreza em Santos.

      Acabo de ler em A Tribuna de 07/09/2011 que o prefeito Papa sancionou seu projeto de “erradicação” da extrema pobreza. O programa respondeu rapidamente ao apelo da presidente Dilma para que todos se engajem na luta contra a pobreza. Foi, no entanto, maculado pela falta de discussão sobre o parâmetro decretado para delimitar a “extrema pobreza”: R$ 70,00 mensais por pessoa, também adotado pelo programa Brasil sem Miséria de Dilma. Este valor é apenas 9% do mínimo previsto pela Constituição para que uma pessoa viva com dignidade. Se uma família tem ganhos mensais de R$ 45,00 por pessoa (renda do trabalho mais outros benefícios), a prefeitura de Santos complementará com R$ 25,00 por mês totalizando, para as 2529 famílias detectadas, R$ 3,3 milhões/ano, ou 0,24% do orçamento. O Brasil tem condições de estabelecer parâmetro maior e Santos mais ainda, pois seu PIB per capita é três vezes o do país. É só priorizar melhor o gasto público. Lamentável a discussão pífia ocorrida na Câmara de Vereadores. Uma oposição mais forte teria enriquecido o programa. Mais lamentável ainda é acreditar que tal programa erradica a extrema pobreza.

      sábado, 3 de setembro de 2011

      ONDE ESTÁ A CÂMARA MUNICIPAL DE SANTOS?

      A CMS correu para a provar o projeto do Papa relativo à erradicação da extrema pobreza. Não sei porquê tanta pressa. O programa só entra em vigor o ano que vem. Poderia ter chamado uma grande discussão e enriquecido o programa, cuja idéia é boa, tendo sido uma resposta rápida de Papa à “convocação” de Dilma. Combater a pobreza é prioritário. Mas o parâmetro para definir “extrema pobreza” é ridículo: R$ 70,00 mensais per capita. Isto corresponde a 9% do que propugna a Constituição Federal.. Dá apenas para um cafezinho por dia e não dá para uma passagem de ônibus por dia, somente de ida. Tal parâmetro tb. é o da Dilma que, igualmente, combati (ver artigos neste blog, postados em 04 e 05 de agosto/2011). Mas Santos tem PIB per capita e orçamento per capita varias vezes maiores do que o Brasil. Poderia ter avançado muito mais. Uma pena!!!

      DILMA ESTÁ CERTA - 3

      Quando prioriza a saúde. Se a saúde está do jeito que está na Baixada Santista, imagine-se no resto do Brasil. Precisamos sim de mais, muito mais recursos para a saúde. A extinção da CPMF foi um grande erro. Quem acha que não precisa de mais recursos deveria se comprometer a só ser atendido em postos públicos de saúde de sua comunidade. E Dilma também acerta quando exige que o aumento de gastos com saúde deve ser autorizado conjuntamente com a definição de suas respectivas fontes de recursos. Estas devem vir de adicionais à carga tributária nacional que parece alta mas, que, quando comparamos com outros países e levamos em conta a desigualdade social e a pobreza dela derivada, verificamos que a carga tributária deve sim ser aumentada, mas sobre os que ganham muito e pagam pouco, pois pobre no Brasil, segundo várias pesquisas, inclusive uma indicada pelo Dep. Fed. Francisco Dornelles, paga muito mais imposto do que rico.

      DILMA ESTÁ CERTA - 2

      Quando dá sua opinião sobre a taxa de juros. Se todo mundo opina, especialmente o mercado financeiro e as grandes empresas, que “votam” rotineiramente no relatório Focus do BC, e este leva em conta tal opinião, porque a presidente do Brasil não deve opinar? Diz o jornal Valor Econômico: “na avaliação da maioria dos economistas, a atitude do Copom quebrou um dos princípios mais valiosos no sistema de metas de inflação, a comunicação com o mercado”. Ou seja, é preciso que tenham a indicação do que o BC vai fazer, para que possam especular à vontade...E, diga-se, o BC acertou em alterar a “liturgia” de prevenir o mercado e também em baixar os juros, pois o aumento do PIB perde força e a crise lá fora pode chegar com força aqui. Quanto à inflação, o “sistema de metas” nunca foi testado com taxas de juros menores e, além disso, a própria queda do PIB ajuda a combate-la.

      DILMA ESTÁ CERTA - 1

      Quando combate a corrupção. Não deve jamais engolir a chantagem do PR e dos outros partidos “magoados”. Mas Dilma precisa dar força à sua equipe para desmascarar também os “corruptores”

      sexta-feira, 26 de agosto de 2011

      D. NADIR FINALMENTE OPERADA, APÓS 20 DIAS COM O FÊMUR QUEBRADO

      Este meu artigo atualiza o postado em 18/08/2011

      D. Nadir tem 78 anos, é pessoa muito simples, de corpo frágil. No último dia 5, preparava-se para ir, freqüentadora diária que é, às oficinas do Grupo Lótus, associação que cuida de pessoas com Parkinson. Caiu da cadeira e quebrou o fêmur da perna esquerda. Levada ao Hospital Municipal de S. Vicente, foi internada. No dia 9, o cardiologista deu-a como apta para cirurgia. Disseram-lhe que muito provavelmente seria operada no dia 11, no que acreditava candidamente pois, me disse, “tenho preferência por causa da idade”. De fato, no dia 10 foi levada à Santa Casa de Santos para avaliação, porquê é ali que os “femurados” de S. Vicente, entre outros doentes, são operados, após triagem e priorização difícil, tendo em vista a exigüidade de leitos do SUS. Examinada, foi confirmado que seu estado clínico estava adequado para a cirurgia. Mas, um simples detalhe, não havia vaga. Foi devolvida ao hospital vicentino. No dia 17 foi levada novamente à Santa Casa e, mais uma vez, devolvida, com a promessa de ser operada no dia 25. Nestas duas idas e vindas inúteis, foram vinte transferências entre camas, macas e ambulâncias. Quem já sofreu este trauma sabe a dor que ela deve ter sentido, ainda mais com os solavancos no transporte.

      Operada no dia 25, foram vinte dias com o fêmur partido. Imagine-se a angústia e a desesperança de D. Nadir, tanto tempo com dor e imóvel na mesma posição! Não sou médico, mas imagino que uma tal espera deva prejudicar a cirurgia e a recuperação, além de aumentar o risco de pneumonia, que pode até matar, dada a idade. Penso que, se ela, com um caso grave, ficou esperando por 20 dias, deve haver dezenas (ou centenas?) de outras pessoas esperando há muito mais tempo. As enfermeiras que cuidam da ala onde D. Nair está parecem ser atenciosas. Mas me assustei com o conformismo da resposta delas: “O senhor tem razão de ficar bravo, mas é assim mesmo...”, me disseram, acostumadas com o inaceitável.

      Santo Deus! Como pode ser normal número tão grande de pessoas esperar tanto em condições tão severas e graves? Porquê essa situação de descalabro permanece assim há tantos anos? Temos pelo menos indicadores sociais, de saúde e de gestão disponíveis para conhecer de fato a situação? Além do problema da falta de vagas, quanto tempo leva para se conseguir consulta em especialidades, ou exames indispensáveis e urgentes em casos que podem ser muito graves? Com que conforto e qualidade é feito o atendimento? Estas informações precisam ser atualizadas rotineiramente para conhecimento da população. Se a questão é de insuficiência de recursos, de quanto mais precisamos? Recursos existem, basta priorizá-los e utilizá-los com competência.  O poder público está correndo para diminuir o sofrimento das pessoas que não têm como pagar a medicina particular?

      A idéia do prefeito Papa de reativar e reintegrar o Hospital dos Estivadores à rede da região resolve apenas parte do problema, mas precisa ser colocada em prática rapidamente, como se faz quando procuramos por sobreviventes sob escombros, pois minutos podem significar viver ou morrer. E, de fato, os doentes estão sob escombros. Quais são as providências para acelerar ao máximo a reativação?

      A propósito, o recente decreto de Alckmin permitindo que hospitais estaduais de ponta destinem até 25% de seus leitos para pacientes privados é desumano e inconstitucional. Ler, a respeito, entrevista do Dr. Arthur Chioro em www.pascoalvaz.blogspot.com.

      sábado, 20 de agosto de 2011

      A COPA DO MUNDO JÁ TEM SEUS DERROTADOS

      Leia meu artigo "De fêmur quebrado por 20 dias, à espera..." e diga se Boulos tem ou não razão.

      Pascoal.

       

      Por GUILHERME BOULOS*

      As primeiras reações à escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo 2014 foram de festa.
      De certo modo justificada: depois de mais de 60 anos, o país que tem o futebol como uma marca de cultura popular, com centenas de milhares de campos de várzea espalhados por todos os cantos, poderia voltar a ver de perto o maior evento futebolístico do planeta.
      O menino da favela poderia, quem sabe, ir ao estádio ver seus maiores ídolos, que costumam se exibir apenas nos campos europeus. Um sonho…
      Que não tardou muito em gerar desilusão.
      De início, apareceu o incômodo problema de quem iria pagar a conta.
      E veio a resposta, ainda mais incômoda, de que 98,5% do gordo orçamento do evento seriam financiados com dinheiro público, segundo estudo do TCU.
      Boa parte do BNDES, é verdade.
      Mas o capital do BNDES é alimentado pelo Orçamento Geral da União, portanto, dinheiro público, apesar dos malabarismos explicativos do Ministro dos Esportes.
      Dinheiro que deveria ser investido no SUS, na educação, em habitação popular e tantos outros gargalos mais urgentes do país.
      A questão torna-se ainda mais grave quando, motivado pelo argumento do tempo curto até 2014, o controle público dos gastos corre sério risco.
      A FIFA impõe contratos milionários com patrocinadores privados. E o presidente do todo-poderoso Comitê Local é ninguém menos que Ricardo Teixeira, que dispensa comentários quanto à lisura e honestidade no trato com dinheiro.
      Estes temas têm sido amplamente tratados pela grande imprensa.
      No entanto, há uma outra dimensão do problema, infelizmente pouco abordada. E não menos grave.
      Trata-se das consequências profundamente excludentes dos investimentos da Copa nas 12 cidades que a abrigarão.
      Três anos antes da bola rolar, esta Copa já definiu os perdedores. E serão muitos, centenas de milhares de famílias afetadas direta ou indiretamente pelas obras.
      Somente com despejos e remoções forçadas já há um número de 70 mil famílias afetadas, segundo dossiê de março deste ano produzido pela Relatora do Direito à Moradia na ONU, Raquel Rolnik.
      E estes dados foram obtidos unicamente através de denúncias de comunidades e movimentos populares.
      O que significa que os números tendem a ser muito maiores.
      A Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos solicitou a representantes governamentais do Conselho das Cidades um dado estimado de famílias despejadas e recebeu a resposta de que este levantamento não existe. O Portal da Transparência para a Copa 2014 tampouco fornece qualquer informação. Há uma verdadeira caixa-preta entorno dos números.
      Isso facilita que qualquer processo de remoção receba o carimbo da Copa e, deste modo, seja conduzido em regime de urgência, sem negociação com a comunidade e passando por cima dos direitos mais elementares.
      E, o que é pior, na maioria dos casos não há qualquer alternativa para as famílias despejadas. Quando há, são jogadas em conjuntos habitacionais de regiões mais periféricas, com infra-estrutura precária e ausência de serviços públicos.
      Não é demais lembrar que, na África do Sul, milhares de famílias continuam hoje vivendo em alojamentos após terem sido removidas para a realização da Copa 2010.
      Quem sorri de orelha a orelha é o capital imobiliário.
      As grandes empreiteiras e, principalmente, os especuladores de terra urbana se impõem como os grandes vitoriosos. Nunca ganharam tanto.
      Levantamento recente do Creci-SP mostra que em 2010 houve uma valorização de até 187% de imóveis usados em São Paulo e um aumento de até 146% no valor dos aluguéis. A rentabilidade do investimento imobiliário superou a maior parte das aplicações financeiras Para este segmento a Copa é um grande negócio.
      Quem perde com isso é a maior parte do povo brasileiro. O trabalhador que ainda podia pagar aluguel num bairro mais central é atirado para as periferias. E mesmo nas periferias, os moradores são atirados para cidades mais distantes das regiões metropolitanas.
      As obras da Copa desempenham um papel chave neste processo de segregação. O exemplo de Itaquera não deixa dúvidas: os preços de compra e aluguel dos imóveis dobraram após o anúncio da construção do estádio. Aliás, não se trata de um fenômeno apenas nacional: as Olimpíadas de Barcelona (1992), por exemplo, foram precedidas de um aumento de 130% no valor dos imóveis; em Seul (1988) 15% da população sofreu remoções. A conta costuma ficar para os mais pobres.
      Isso quando não se paga com a liberdade ou a vida. Na África do Sul, durante a Copa 2010, foi criada por exigência da FIFA uma legislação de exceção, com tribunais sumários para julgar e condenar qualquer transgressão. O Pan do Rio foi precedido de um massacre no Morro do Alemão, com dezenas de mortos pela polícia, supostamente “traficantes”. Despejos arbitrários, repressão ao trabalho informal, manter os favelados na favela e punir exemplarmente qualquer “subversão”, eis a receita para os mega-eventos. Receita que mistura perversamente lucros exorbitantes, gastos públicos escusos e exclusão social.
      *Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), militante da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos e da CSP Conlutas (Central Sindical e Popular).

      quinta-feira, 18 de agosto de 2011

      ONDE A DESUMANIDADE É REGRA


      Paulo Schiff no Jornal Diário do Litoral

      Imagem 01: É de hoje. Você ainda vai ver nos telejornais regionais durante o dia. Ou no DL de amanhã. É do governador Geraldo Alckmin na Baixada Santista. Inaugurando novas instalações da Polícia Militar. Participando de reunião da Agência Metropolitana de Santos.
      Imagem 02: É de terça-feira. Você viu ontem. É do prefeito João Paulo Papa, recebendo, lá em Brasília, as chaves do prédio do antigo Hospital dos Estivadores de Santos.
      Imagem 03: É de hoje também. Essa é provável que a gente não veja. Dificilmente vai estar nos jornais ou telejornais. Trata-se da remoção, por ambulância, de uma senhora de 78 anos. Ela está com uma fratura no fêmur desde sexta-feira da semana passada no CREI de São Vicente. Vai ser levada para a Santa Casa de Santos. Depois de uma semana sem nenhum procedimento, vai receber uma “avaliação”.
      Uma desumanidade.
      As três imagens guardam íntima relação. O governador vai estar por aqui para olhar mais de perto as questões da Baixada. No início deste ano, em uma dessas visitas, prometeu liberar R$ 90 milhões para a área da Saúde da região.
      Pelas contas do jornalista Rodolfo Amaral, infalível com os números, mesmo liberando esse dinheiro, o governo estadual ainda estaria em dívida grossa com os municípios do litoral.
      Esse dinheiro faz falta.
      Os prefeitos têm tentado cobrir essa carência. As chaves do hospital nas mãos de Papa representam simbolicamente esse esforço. São Vicente aplica mais de 30% do minguado orçamento municipal na Saúde ( a determinação da Constituição é de no mínimo 15%). Mesmo assim, se o prefeito Tércio Garcia aparece num ambulatório, AME, hospital ou qualquer outro lugar onde as pessoas deveriam estar recebendo tratamento, o resultado é um tsunami de reclamações. E até de palavrões.
      Sabe por quê? Porque a desumanidade com a senhora com fratura de fêmur, por relatos das próprias enfermeiras do CREI, aqui na Baixada é regra e não exceção.

      DE FÊMUR QUEBRADO POR 20 DIAS, À ESPERA...

      D. Nadir tem 78 anos, é pessoa muito simples, de corpo frágil. No último dia 5, preparava-se para ir, freqüentadora diária que é, às oficinas do Grupo Lótus, associação que cuida de pessoas com Parkinson. Caiu da cadeira e quebrou o fêmur da perna esquerda. Levada ao Hospital Municipal de S. Vicente, foi internada. No dia 9, o cardiologista deu-a como apta para cirurgia. Disseram-lhe que muito provavelmente seria operada no dia 11, no que acreditava candidamente pois, me disse, “tenho preferência por causa da idade”. De fato, no dia 10 foi levada à Santa Casa de Santos para avaliação, porquê é ali que os “femurados” de S. Vicente, entre outros doentes, são operados, após triagem e priorização difícil, tendo em vista a exigüidade de leitos do SUS. Examinada, foi confirmado que seu estado clínico estava adequado para a cirurgia. Mas, um simples detalhe, não havia vaga. Foi devolvida ao hospital vicentino. No dia 17 foi levada novamente à Santa Casa e, mais uma vez, devolvida. A promessa, agora, é de ser operada no dia 25. Nestas duas idas e vindas inúteis, foram vinte transferências entre camas, macas e ambulâncias. Quem já sofreu este trauma sabe a dor que ela deve ter sentido, ainda mais com os solavancos no transporte.
      Se for operada no dia 25, terão sido vinte dias com o fêmur partido. Imagine-se a angústia e a desesperança de D. Nadir, tanto tempo com dor e imóvel na mesma posição! Não sou médico, mas imagino que uma tal espera deva prejudicar a cirurgia e a recuperação, além de aumentar o risco de pneumonia, que pode até matar, dada a idade. Penso que, se ela, com um caso grave, terá ficado esperando por 20 dias, deve haver dezenas (ou centenas?) de outras pessoas esperando há muito mais tempo. As enfermeiras que cuidam da ala onde D. Nair está parecem ser atenciosas. Mas me assustei com o conformismo da resposta delas: “O senhor tem razão de ficar bravo, mas é assim mesmo...”, me disseram, acostumadas com o inaceitável.

      Santo Deus! Como pode ser normal número tão grande de pessoas esperar tanto em condições tão severas e graves? Porquê essa situação de descalabro permanece assim há tantos anos? Temos pelo menos indicadores sociais, de saúde e de gestão disponíveis para conhecer de fato a situação? Além do problema da falta de vagas, quanto tempo leva para se conseguir consulta em especialidades, ou exames indispensáveis e urgentes em casos que podem ser muito graves? Com que conforto e qualidade é feito o atendimento? Estas informações precisam ser atualizadas rotineiramente para conhecimento da população. Se a questão é de insuficiência de recursos, de quanto mais precisamos? Recursos existem, basta priorizá-los. O poder público está correndo para diminuir o sofrimento das pessoas que não têm como pagar a medicina particular?

      A idéia do prefeito Papa de reativar e reintegrar o Hospital dos Estivadores à rede da região resolve apenas parte do problema, mas precisa ser colocada em prática rapidamente, como se faz quando procuramos por sobreviventes sob escombros, pois minutos podem significar viver ou morrer. E, de fato, os doentes estão sob escombros. Quais são as providências para acelerar ao máximo a reativação?

      A propósito, o recente decreto de Alckmin permitindo que hospitais estaduais de ponta destinem até 25% de seus leitos para pacientes privados é desumano e inconstitucional. Ler, a respeito, entrevista do Dr. Arthur Chioro neste blog, postada em 16/08/2011.

      terça-feira, 16 de agosto de 2011

      PRIVATIZAÇÃO INACEITÁVEL DE HOSPITAIS PÚBLICOS DO ESTADO DE S. PAULO

      Neste momento, aquela senhora de 78 anos objeto de meu comentário do dia 10/8/2011, que está no Hospital Municipal de S. Vicente, antigo Creis, vai ser operada no dia 18 próximo, se nada for alterado. Terão sido 13 dias com o fêmur quebrado (imaginem o sofrimento), espera devida a FALTA DE VAGAS, assunto escabroso que me leva a pedir aos amigos que leiam a entrevista a seguir do Dr. Arthur Chioro, profissional competente e ser humano  comprometido com a causa pública. 

      Arthur Chioro: Planos privados de saúde vão economizar e paulistas pagarão a conta

      por Conceição Lemes
      Nessa semana, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE) deu entrada à ação civil pública contra a lei complementar nº 1.131/2010, que permite aos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) destinar até 25% dos seus leitos e serviços para planos de saúde e particulares.
      A lei da Dupla Porta, como é conhecida, é do ex-governador Alberto Goldman (PSDB), obteve aprovação da Assembleia Legislativa e foi regulamentada em julho de 2011 pelo atual governador Geraldo Alckmin (PSDB).
      A ação do MPE responde à representação de diversas entidades da sociedade civil, entre as quais o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo. Em assembleia realizada na cidade de Santos, em 31 de março, o Cosems-SP votou por unanimidade contra a lei paulista. O Cosems-SP representa os 645 municípios do estado.
      “A lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas, tira dos mais pobres para dar às empresas privadas de saúde e aos mais abastados”, denuncia o médico Arthur Chioro, atual presidente do Cosems-SP e secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, no Grande ABC. “Reduz em até 25% a capacidade dos hospitais públicos que hoje já é insuficiente para atender aos usuários do SUS. É uma afronta às constituições estadual e federal. É uma lei anti-SUS [Sistema Único de Saúde].”
      “Em fevereiro deste ano, durante audiência, os sete prefeitos do ABC pressionaram o secretário estadual de Saúde [Guido Cerri] contra a lei 1.1.31/2010”, revela Chioro. “Ele tranquilizou-os, dizendo que os hospitais mantidos pelo estado no ABC por meio de OSs não entrariam nessa lógica de vender leitos e serviços para planos de saúde e particulares. Disse também que estava pensando em adotar essa política para o Icesp e o Brigadeiro. Foi o que aconteceu. Eles são as jóias da coroa, que aliviarão os custos dos planos privados de saúde e todos os cidadãos paulistas pagarão por isso.”
      Chioro presenciou a audiência. O Icesp é o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. O Brigadeiro é o atual Instituto de Transplantes do Estado de São Paulo “Dr. Euryclides de Jesus Zerbini”. São hospitais públicos de alta complexidade, seguramente de ponta nas respectivas áreas.
      Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Chioro já foi secretário da Saúde de São Vicente (Baixada Santista), diretor do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde e consultor da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). É a segunda vez que ocupa a presidência do Cosems-SP.
      Sugiro que leiam a entrevista dele na íntegra. Depois, respondam nos comentários: a lei paulista que reserva leitos dos hospitais públicos para usuários de planos de saúde e particulares é ética?
      Viomundo – O senhor costuma dizer que a lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas. Por quê?
      Arthur Chioro – O Robin Hood tirava dos ricos para dar aos pobres. A lei 1.131/2010 faz o oposto. Tira dos pobres para dar à classe média alta, aos planos privados de saúde. Por isso eu a chamo de Robin Hood às avessas. Ela rompe o princípio da equidade, que é um dos princípios do SUS: cuidar mais de quem precisa.
      Viomundo – De que maneira?
      Arthur Chioro – De duas formas. Primeiro, na fonte, na origem. Depois, no acesso aos hospitais públicos de alta complexidade.
      Viomundo – De que modo na origem?
      Arthur Chioro — Peguemos a situação do Icesp e do Brigadeiro, que é o atual Instituto de Transplantes, os  primeiros hospitais geridos por OSs a receber autorização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para vender até 25% da sua capacidade.
      O paciente não pode ir direto para nenhum dos dois. Só vai para um hospital de alta complexidade se for encaminhado pelo médico que o atendeu no consultório particular, no caso de ser cliente privado ou de plano de saúde. Ou, se for SUS, pela Central de Regulação do Sistema Único de Saúde, quando atendido na unidade básica de saúde ou no serviço público especializado.
      Assim, o paciente SUS para ser atendido tem de passar primeiro por uma unidade básica ou pela equipe da Saúde da Família. Na hipótese de a avaliação física ou os exames laboratoriais iniciais levantarem a suspeita de câncer ou a necessidade de transplante, ele é encaminhado para um serviço especializado. Aí, serão pedidos novos exames para descartar ou fechar o diagnóstico e fazer o estadiamento do tumor se a suspeita for câncer.
      Só com o diagnóstico confirmado esse serviço poderá solicitar o encaminhamento para o Icesp para cirurgia, quimioterapia, radioterapia e acesso à assistência farmacêutica. Ou a inclusão na fila de transplantes e uma vaga para o Instituto de Transplantes.
      Já o paciente particular ou de plano faz logo os exames complementares e o diagnóstico é fechado rapidamente por seu médico que o atende na clínica privada ou da empresa médica e que muitas vezes pertence ao corpo clínico desses hospitais. Todos nós que atuamos na gestão em saúde sabemos o quanto é determinante para garantir acesso ao hospital a intervenção do próprio médico, que acaba criando mecanismos de microrregulação e controlando o acesso aos leitos muito mais do que as centrais de regulação de leitos.
      Assim, acabará ocorrendo acesso mais rápido e privilegiado dessa clientela ao Icesp e ao Instituto de Transplantes, como já se observa em hospitais públicos universitários.  Ao arrepio da lei, eles mantêm a dupla porta para os planos de saúde. A experiência demonstra que essa situação acabará ocorrendo.  E, dessa maneira, os principais equipamentos construídos e comprados com recursos públicos, passam a ser ocupados por uma clientela privada, aliviando os custos dos planos de saúde e a classe média alta e da elite que pode pagar por serviços particulares.
      Viomundo – Quanto tempo leva, em média, para o usuário do SUS fazer toda a peregrinação: agendar consulta, fazer exames, receber resultados, ir ao especialista, fazer exames confirmatórios…?
      Arthur Chioro – Pode levar meses, pois a rede pública é insuficiente para atender à demanda. No serviço público, há um verdadeiro gargalo na atenção especializada. Já o paciente particular ou de plano privado pode ter o diagnóstico fechado em uma ou duas semanas. Por isso, a lei 1.131/2010 cria, de cara, já na origem, na fonte, uma desigualdade de acesso.
      Aliás, o diagnóstico rápido é muito bom para as operadoras de saúde suplementar [planos e seguros de saúde], pois elas podem repassar mais depressa a conta para o sistema público pagar ou aliviar os custos que seriam muito maiores se esse paciente fosse acompanhado em serviços privados. Além disso, é mais vantajoso para as operadoras de planos de saúde utilizar uma rede pública de excelência do que investir na construção e manutenção de serviços privados.
      Viomundo – Essa maior demora não pode retardar o tratamento e influir no prognóstico?
      Arthur Chioro – Pode, pois de saída o paciente SUS demora mais para ter o diagnóstico fechado. Mas não é o único obstáculo no seu caminho. Depois, feito o diagnóstico, demora para conseguir vaga num hospital de alta complexidade, pois é o grande gargalo da rede pública de saúde.
      E agora, com a nova lei, a situação tende a piorar. Como os serviços já são insuficientes para atender à demanda dos usuários do SUS, com a venda de até 25% dos leitos e serviços dos hospitais de alta complexidade, haverá menos vagas. O que significa mais tempo de espera para o paciente SUS iniciar o tratamento.
      No caso de câncer, dependendo da agressividade do tumor, essa postergação poderá exigir tratamento mais agressivo, cirurgia mais mutilante e aumentar a mortalidade. Isso não é justo! Não é à toa que os protocolos internacionais preconizam que entre a suspeita de um diagnóstico de câncer e o início do tratamento devem transcorrer 45 dias, no máximo. Em alguns tipos de tumores, um tempo ainda menor.
      Viomundo – Mas os defensores da lei 1.131/2010 alegam que os pacientes SUS não serão prejudicados.
      Arthur Chioro – Balela. Vamos supor que um hospital público tenha 200 leitos  destinados ao SUS, o que corresponde a 100% de sua capacidade operacional.  Com a nova lei, até 50 vagas poderão ser comercializadas com a iniciativa privada.
      O que vai acontecer? Em vez de 200 vagas para o SUS, serão 150. Se as 200 já eram insuficientes, o que dirá 150, concorda?
      Ou seja, a lei 1.131/2010 vai diminuir o acesso do paciente SUS a um serviço de alta complexidade e de excelente qualidade quando ele precisar. E o que já é demorado vai demorar mais ainda.
      Viomundo – O senhor é totalmente contra o atendimento de usuários de planos de saúde e particulares em hospitais públicos de excelência?
      Arthur Chioro – O SUS produziu avanços enormes, inegáveis. Só que historicamente a rede pública de saúde trabalha com subfinanciamento e tem uma série de restrições. A rede de serviços ainda é insuficiente para dar conta do crescente número de usuários e das mudanças no padrão de necessidades em função das condições de vida, como o envelhecimento e a violência.
      Eu, no entanto, não sou xiita. Se nós tivéssemos vagas sobrando, aí, poderíamos, sim, imaginar o que fazer com a capacidade ociosa e negociar um valor diferente para usuários de saúde suplementar, buscando maior otimização e melhor relação custo/benefício.
      Mas essa não é a realidade. Na atual situação, é restringir o acesso de quem precisa – o usuário do SUS — para quem deveria ter isso contratualmente – os clientes de plano privados.
      Viomundo – Explique melhor isso.
      Arthur Chioro – Ao contrário do que muita gente acredita equivocamente, os hospitais públicos de alta complexidade no Brasil são excelentes. No caso de São Paulo, são referência nacional.  Tanto que quando alguém precisa de um tratamento de ponta vai geralmente para esses serviços públicos. Já a rede privada de hospitais com capacidade de realizar tratamentos de primeira linha é pequena, insuficiente, limitada e caríssima para as operadoras de planos de saúde.
      O que acontece? Na hora de vender, os planos privados estabelecem a lógica de mercado: cobram mensalidades caríssimas dos seus clientes para oferecer os hospitais particulares topo de linha. Porém, na hora de pagar a conta, querem dividir o custo com o sistema público de saúde, que é universal e gratuito. Não é raro o paciente de plano privado ter de fazer uma cirurgia X ou Y no hospital público pelo SUS, porque o seu plano não cobre o procedimento ou porque na rede privada não há quem o faça. Ou seja, não cumprem o que está no contrato. Tiram, portanto, vaga do paciente do SUS.
      Viomundo – Com a possibilidade de o Icesp e do Instituto de Transplantes venderem até 25% dos serviços, como ficará a situação?
      Arthur Chioro – Os planos privados terão interesse em fazer com rapidez os exames, fechar o diagnóstico e passar logo o paciente para um desses hospitais públicos, dependendo da doença. É uma maneira de empurrar para o sistema público de saúde o financiamento da privada, de aliviar os seus custos.
      Viomundo – De que modo já que os planos terão de pagar de qualquer jeito os tratamentos de câncer e os transplantes?
      Arthur Chioro – Aí está um dos pulos do gato. Pagarão, é verdade, mas bem menos do que se esses procedimentos fossem realizados na rede privada de primeira linha.
      Eu explico. Os poucos serviços privados de qualidade que podem tratar câncer e realizar transplantes custam muito caro. Assim, se esses serviços fossem prestados na rede privada, as operadoras de planos teriam de gastar muito mais do que vão pagar agora ao Icesp e ao Instituto de Transplantes.  Então aquilo que é caro, onera o lucro do empresário, vai ser dividido pelos paulistas como um todo. Isso é inconcebível para o sistema público.
      Viomundo – Mas os defensores da lei dizem que o atendimento de usuários de planos privados seria uma forma de levar dinheiro para a instituição e, assim, ampliar a assistência aos pacientes do SUS.
      Arthur Chioro – Essa é outra balela. É um falso argumento para a privatização desses hospitais. Quanto desse dinheiro de convênio e particular financiará o hospital? Quanto irá para o pagamento dos médicos, enfermeiros e demais profissionais da equipe? Os recursos captados serão utilizados para ampliar o gasto em saúde ou para aliviar o déficit público? É sabido que a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo precisa operar um ajuste de R$ 950 milhões em 2011 para fechar o seu orçamento.
      Sei que alguns vão rebater dizendo que os hospitais públicos recebem pela tabela SUS, que é muito baixa. Só que os hospitais de ensino, os hospitais de alta complexidade, como é o caso do Icesp e do Instituto do Transplantes, recebem recursos do tesouro estadual e são custeados também com recursos diferenciados do Ministério da Saúde.  Há muito tempo a tabela do SUS não é mais utilizada como referência para financiá-los. Mais precisamente desde 2004, quando foi estabelecida a política nacional para reestruturação dos hospitais de ensino.
      Querem ressarcir os gastos com pacientes de planos de saúde que são tratados gratuitamente pelo SUS? Ótimo. Os secretários municipais de Saúde são favoráveis. A lei atual que regula o ressarcimento ao SUS tem realmente muitas deficiências. Vamos aperfeiçoar as regras do jogo. Vamos pressionar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para estabelecer um sistema de regulação mais eficiente para o ressarcimento.
      O governador Geraldo Alckmin e a bancada federal paulista, de todos os partidos, têm força política suficiente para ajudar o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde a enfrentar esse debate e aperfeiçoar a lei que regulamenta os planos de saúde, onde está previsto o ressarcimento.
      Se a questão é mesmo financiamento, vamos também mobilizar senadores e deputados de todos os partidos em Brasília para aprovar a emenda 29 e uma fonte de financiamento permanente e suficiente, para que definitivamente haja recursos para a saúde.
      Mas isso tem de ser decidido a priori. E não selecionar a clientela dos planos de saúde pra vir ocupar as vagas dos pacientes dos SUS. Eu não vejo nenhuma argumentação plausível para aceitar essa lei estadual, que já está sendo aplicada em dois hospitais.
      Tirar de quem precisa para financiar indiretamente o Estado e aliviar o caixa das operadoras de planos de saúde, valha-me meu Deus!
      Viomundo – Desde o ano passado, quando o ex-governador Goldman encaminhou à Assembleia o projeto dessa lei, eu ouço o boato de que o foco dela seriam principalmente o Icesp e o antigo Brigadeiro…
      Arthur Chioro – Foi o que aconteceu. Isso já estava previsto. Em fevereiro deste ano, durante audiência, os sete prefeitos do ABC pressionaram o secretário estadual de Saúde [Guido Cerri] contra a lei 1.1.31/2010. Ele tranquilizou-os, dizendo que os hospitais mantidos pelo estado no ABC por meio de OSs não entrariam nessa lógica de vender leitos e serviços para planos de saúde e particulares. Disse também que estava pensando em adotar essa política para o Icesp e o Brigadeiro. Não deu outra. Eles são as jóias da coroa, que aliviarão os custos dos planos privados de saúde e todos os cidadãos paulistas pagarão por isso. Não consigo, entretanto, imaginar que ficará restrita aos dois hospitais.
      Eu só consigo entender essa lei como uma política de Robin Hood às avessas.  É tirar dos pobres para dar aos abastados, para a classe média alta, para aqueles que têm plano de saúde. É uma perversão da lógica, que objetiva a desestruturação do SUS, um sistema universal, baseado na equidade e na integralidade.
      Viomundo – Aposto que a essa altura usuários de planos devem estar querendo fazer a seguinte pergunta ao senhor: considerando que o SUS é um sistema universal, ao qual todo brasileiro pode ter acesso, por que eles não poderiam ser também atendidos nesses hospitais públicos de excelência e alta complexidade?
      Arthur Chioro – Eu não vejo problema no atendimento, desde que entrem na mesma fila dos pacientes do SUS, que haja igualdade de oportunidades. Não é o que acontece e nem o que os usuários dos planos querem. Como estão pagando, querem ter o privilégio de serem atendidos primeiro. Aí, há uma fila para os pacientes do SUS e outra para a dos convênios e particulares. Estes, como eu já disse, vão ser atendidos logo. Para os do SUS a espera será bem mais longa.
      Viomundo – O fato de o Icesp e o Instituto de Transplantes terem sido as primeiras instituições autorizadas a negociar os 25% significa o quê?
      Arthur Chioro – O que está pela frente?
      Viomundo – Sim.
      Arthur Chioro – Restrição de acesso à população.
      Viomundo — E por trás?
      Arthur Chioro — A dupla porta, a privatização. Os interesses de vários setores  envolvidos nessa questão.
      Viomundo – E agora que lei foi regulamentada e já está em prática?
      Arthur Chioro – No dia a dia, como secretário da Saúde de São Bernardo do Campo e presidente do Cosems-SP, tenho tido um excelente diálogo com a Secretaria Estadual de Saúde, pactuando várias políticas de interesse para o SUS e para os municípios paulistas, estabelecendo parcerias com o governo do Estado, assim como já temos com o Ministério da Saúde. Mas nessa questão da lei 1.131/2010 não há acordo.
      Ela é uma afronta às constituições estadual e federal, ao SUS. O caminho possível agora é tentar derrubá-la na Justiça. A sociedade paulista vai ter também de se envolver nessa discussão, pois vai interferir diretamente na assistência à saúde dela. Para nós, é impossível aceitar essa política anti-SUS, que é uma conquista de todos os brasileiros.
      PS 1 do Viomundo: Considerando que a lei paulista é anti-SUS, reitero ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha,  as perguntas que fiz na reportagem publicada em 11 agosto:
      1) Até quando o Ministério da Saúde vai continuar dando dinheiro para São Paulo entregar aos planos privados de saúde?
      2) Não seria o caso, ministro,  de já iniciar o processo de desabilitação de São Paulo da gestão plena do SUS?
      PS2 do Viomundo: Desde o dia 10 , solicito entrevista com o ministro Padilha para conversar sobre o assunto. Até a postagem desta matéria com doutor Arthur Chioro,  às 11h52 de segunda-feira, 15 de agosto, não obtive resposta.
      PS 3 do Viomundo: Se os usuários de planos de saúde acham que o problema não lhes diz respeito, pois acreditam que serão atendidos nesses hospitais de excelência e alta complexidade, sinto desapontá-los. Primeiro, nem todos os planos serão aceitos. A tendência é os contratos serem fechados com os planos melhores; os demais, ficarão a ver navios, como já acontece nos hospitais públicos de ensino que atendem convênios e particulares. Segundo, hoje, vocês têm condições de arcar com os custos de um bom plano. Mas quem garante que amanhã continuará a ter?  Todos nós estamos sujeitos às trombadas da vida, portanto pensar solidariamente hoje nos que precisam, pode beneficiar vocês, mesmos, no futuro.
      Ministro Alexandre Padilha, até quando vai dar dinheiro do SUS para SP entregar aos planos privados de saúde?
      Alckmin vende até 25% dos leitos hospitalares do SUS para reduzir rombo de R$ 147 milhões nas OSs
      Hospitais públicos gerenciados por OSs: o rombo acumulado é de R$ 147,18 milhões
      Saiba quais deputados paulistas votaram pela lei que destina leitos do SUS a planos de saúde e particulares
      Meu twitter: @conceicao_lemes, siga à vontade.

      segunda-feira, 15 de agosto de 2011

      NOVA CRISE FINANCEIRA: ENTENDAS AS CAUSAS REAIS

      Quem quiser entender as causas da crise econômico-financeira que reaparece, deve assistir ao documentário "Inside Job", traduzido literalmente por "Trabalho Interno". Filme muito bem feito, com dezenas de depoimentos de pessoas importantes no processo. O filme mostra a podridão humana por dentro do sistema financeiro americano bem como a impunidade (só lá?). Simplesmente arrasador.

      quarta-feira, 10 de agosto de 2011

      SAÚDE DA BAIXADA SANTISTA EM FRANGALHOS

      Hoje discutimos na Rádio Rock, 98,1, no Jornal das Sete, levado pelo jornalista Paulo Schiff, o caso de uma senhora de 78 anos, bastante humilde, moradora em bairro longínquo de São Vicente, que caiu no dia 05/08/2011 e quebrou o fêmur. Levada ao Creis de S. Vicente, recebeu os primeiros socorros e foi internada. Fui visitá-la ontem, dia 09, e ela me disse que estava marcada, para dia 11, sua transferência para a Santa Casa de Santos, quando será feita avaliação de seu estado e definido o quê e quando será resolvido seu caso. Inconformado com a demora, fui falar com a enfermagem. Me foi dito que é assim mesmo....Santo Deus!!! Seis dias completamente imobilizada e sem saber o que será feito dela. Ingenuamente, essa senhora ainda me disse que, "como sou velha, terei preferência de atendimento...". Me foi dito lá que há um senhor, com o braço quebrado junto ao ombro, esperando há 15 dias a compra de placa ou pino para ser operado: a prefeitura diz não ter dinheiro. Reiterei no ar minha antiga proposta: que os detentores de cargos públicos (de todos os níveis) sejam obrigados, em caso de ficarem doentes, a ser atendidos em unidades públicas de saúde. Paulo Schiff lembrou do projeto de lei de Cristovam Buarque obrigando os filhos de deputados federais e de senadores a estudar em escola pública...Os serviços de saúde e de educação melhorariam rapidamente!

      terça-feira, 9 de agosto de 2011

      ERRATA

      O artigo publicado aqui no dia 05/08/2011, sob o título "Dilma e Papa: sobre a erradicação da extrema pobreza", foi publicado, resumido, em A Tribuna de hoje, pg. A2, sob o título "Dilma, Papa e a extema pobreza". Ocorre que houve um engano na composição gráfica. As extensões das siglas SEAS e DIEESE (Secretaria de Assistência Social e Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Socioeconômicos), que eu enviara como nota de rodapé, saíram logo em seguida ao meu nome, o que pode ser eventualmente interpretado indevidamente como sendo eu ligado àquelas entidades. Daí este registro.

      sábado, 6 de agosto de 2011

      UM NOVO BRASIL É POSSÍVEL...

      Hoje pela manhã fui ao Clube dos Ingleses, em Santos, assistir a um campeonato regional/estadual de bad minton. Meu neto ia jogar pela sua escola, a Novo Tempo. Ao iniciar, tocou o Hino Nacional. Como sempre, poucos cantaram. Entre a mininada, quase nenhum. Ao canto, porém, algo me chamou a atenção e me emocionou: um grupo de garotos surdos-mudos, seguia a professora que usava o método Libra para interpretar-lhes a letra do hino. E eles o "cantaram" alegremente. Palavra, foi o Hino brasileiro mais lindo que "ouvi". E me dei conta de como vale a pena o trabalho de inclusão...

      sexta-feira, 5 de agosto de 2011

      DILMA E PAPA: SOBRE A ERRADICAÇÃO DA EXTREMA POBREZA

      Chega em boa hora o projeto de lei “Programa Municipal de Erradicação da Extrema Pobreza e da Fome” que o prefeito Papa enviou, em 1º. deste mês, à apreciação do Legislativo. Seria ótimo se todos os outros municípios do Brasil, mais de 5.600, respondessem com tanta rapidez “ao chamamento da presidente Dilma Rousseff para os municípios participarem ativamente do programa do Governo Federal Brasil sem Miséria”, como disse Papa.
      O trabalho que embasa o projeto foi apresentado detalhadamente pelo seu autor, economista Jorge Telésforo, funcionário público da SEAS-Secretaria de Assistência Social da prefeitura, numa das reuniões mensais do Comitê Objetivos do Milênio-ODM. Conheço Jorge há muitos anos e sei de sua competência e seriedade. Eu e ele discordamos por vezes, quase sempre em termos de grau ou de ênfase, sobre o enfrentamento de conflitos sociais num país de tão gritantes injustiças; confesso que sou um pouco mais afoito, ele mais sereno. Talvez por isso ele tenha conseguido realizar tarefa tão boa e exaustiva.
      Entendo que o trabalho é tão importante para o Brasil sem Miséria que, quando da citada reunião do ODM, os presentes concordaram que constasse em ata a idéia, a ser encaminhada ao Papa, de que levasse Jorge em audiência com Ana Fonseca, chefe da Secretaria Extraordinária de Erradicação da Pobreza, que Dilma criou junto ao MDS. Me ocorre agora que a SEAS deveria se dispor, por exemplo, a criar um curso de ensino à distância para que tal metodologia pudesse ser disseminada Brasil a fora.
                  Em síntese, em processo bem informatizado, sua especialidade, Jorge compilou, em um cadastro realmente único, para cada uma das 7.737 famílias santistas assistidas pelos governos Federal, Estadual e Municipal, o valor dos benefícios sociais que recebem e de seus próprios rendimentos, dividindo depois o total pelo número de seus membros, chegando ao valor mensal familiar per capita. O projeto santista se compromete a complementar tal valor de modo a que nenhuma família fique com menos de R$ 70,00 por pessoa por mês. Foram encontradas 2.529 famílias nessa situação.
      Aqui é que a porca torce o rabo, e como torce. Uma vez completado este valor pela prefeitura, de modo a que nenhum cidadão santista usufruísse menos do que R$ 70,00 por mês, estaria decretada a erradicação da extrema miséria e a fome em Santos. Santo Deus! Não é preciso ser um gênio das finanças para concluir pela irrelevância deste valor. Mal daria para um só cafezinho diário, e não daria para uma passagem de ônibus por dia. Mas se quisermos elaborar um pouco mais, façamos a melhor comparação possível, a mais lídima e irretorquível, ou seja, com o valor do salário mínimo que a Constituição Federal, em seu Art. 7º.- IV, indica como o valor que uma família de casal com duas crianças deve receber para viver com o mínimo de dignidade. O DIEESE-Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos faz, para simplificação, as duas crianças valendo por um adulto e calcula esse valor, portanto, para três pessoas. Em maio passado, era de R$ 2.293,31/mês, ou R$ 764,44 per capita. Os R$ 70,00, assim, significam apenas 9,2% do mínimo constitucional. Claro, ninguém seria louco de propor que, a curto prazo, se elevasse o parâmetro de pobreza para R$ 764,44. Mas também é inconcebível aceitar os R$ 70,00. O Brasil tem condições, e Santos mais ainda, de elevar significativamente este valor. Venho manifestando esta opinião há alguns anos em seminários e pela imprensa. Inclusive, junto à Secretária Ana Fonseca, pois o Brasil sem Miséria também adota os R$ 70,00. (Ver o artigo “Dilma acerta em priorizar o combate à pobreza, mas...”, de março/2011, neste blog).
      Argumenta-se que os R$ 70,00 se adéquam a mínimos indicados pelo Banco Mundial e pelo Bolsa Família, como se parâmetros instituídos erradamente  devessem ser eternos. E, também, que é preciso cuidado para não deixar a cidade vulnerável à invasão de pessoas de cidades vizinhas, como se cada uma das 2.529 famílias não estivessem já cadastradas e definidas. Ademais, como combater a desigualdade e a pobreza se não a partir das melhores cidades, como Santos, com PIB per capita três vezes o do Brasil? Na verdade, nos conformamos a desigualdades incríveis, como por exemplo, a de que 27 milhões de trabalhadores ganhem até um salário mínimo e outros 20 milhões de aposentados um SM (seriam pouco esforçados, diz-se), enquanto uns poucos milhares ganhem mil SM (teriam muita responsabilidade, diz-se). Daí a insignificância dos R$ 70,00 passar despercebida...
      Os vereadores santistas estão desafiados a debater em alto nível. O projeto que receberam exige dotação de R$ 3,3 milhões/ano, ou apenas 0,24% do orçamento deste ano. A IX Conferência Municipal de Assistência Social propôs que o parâmetro de extrema pobreza fosse elevado de R$ 70,00 para meio SM, ou R$ 272,50, aumento significativo mas que, ainda assim, fixaria o parâmetro em apenas 1/3 do SM per capita constitucional. O orçamento suportaria? Não? Que tal dobrar para R$ 140,00? Em minutos, o Jorge pode fazer várias simulações. A partir delas e após um aberto debate com a sociedade quanto às prioridades no orçamento 2012, se decidiria quanto aportar. E, a maior vitória, Santos estaria rompendo a letargia nacional que nos amolda ao parâmetro atual que nos tira o sono justo.
      O PIB per capita brasileiro é menos da metade do santista. Mas, mesmo assim, suportaria um parâmetro de extrema pobreza bem superior ao de R$ 70,00. Acredito que Dilma, pela sua bela história, sabe da insuficiência deste valor. Sua assessoria é que a deve estar contendo. Elevando o parâmetro, Santos estaria dando força à Dilma para propor uma reavaliação do valor nacional. O excelente programa Brasil sem Miséria ganharia mais dimensão política, pois os 16,2 milhões contados a partir dos R$ 70,00, no mínimo dobrariam, o mesmo acontecendo em Santos.
      Se de fato não der para aumentar o parâmetro, pelo amor de Deus, não se diga, em Brasília ou em Santos, que, uma vez completado o parâmetro, teríamos eliminado a extrema pobreza.