Gosto de futebol e, mesmo sendo santista, simpatizo com o Corinthians, dado ser o time do povão. Mas, sabendo da situação calamitosa dos serviços públicos de saúde, educação, transporte coletivo, segurança etc, pergunto o que não poderia ser feito nesses setores com os R$ 420 milhões de impostos que deixarão de ser recolhidos por conta da construção do Itaquerão. Há que se considerar também os recursos para a construção do estádio, que a FIFA exige seja em grau de sofisticação que a torna mais incompatível ainda com as necessidades da população. Serão mais R$ 400 milhões, financiados pelo BNDES, com juros muito inferiores aos de mercado. A soma, R$ 820 milhões, se aplicada nas áreas sociais citadas, traria muito mais bem-estar e desenvolvimento para a região de Itaquera do que a construção do estádio, a ser utilizado uma vez ou duas por semana. Lembre-se que a cidade já conta com pelo menos quatro bons estádios. Estava neste ponto de elaboração do artigo quando recebi “e-mail” mostrando os projetos dos estádios para a Copa 2014, luxuosíssimos, cada um na casa das centenas de milhões de reais (Veja fotos a respeito aqui.). E, junto, fotos de escolas caindo aos pedaços e de seres humanos jogados no chão de hospitais públicos, após meses de espera, sabemos, para serem internados. Imagens nuas e cruas do escárnio com que se trata o povo brasileiro. Agora, logo após aprovada a anistia e o financiamento, o Corinthians faz proposta para contratar o jogador Tevez por 80 milhões de euros, ou R$ 180 milhões, quase metade dos R$ 420 milhões anistiados. Seriam 40 milhões de euros pelo passe e outros 40 milhões de euros de "salários", por cinco anos, ou 670 mil euros/mês ou R$ 1,5 milhão/mês. Este salário é um disparate, num país em que temos 27 milhões de trabalhadores que ganham ATÉ 1 (um) salário mínimo/mês e outros 20 milhões de aposentados que ganham 1 (um) SM/mês. E atenção: o SM a que me refiro é o conhecido, R$ 545,00, e não o de R$ 2.293,00 que o DIEESE calculou em maio como o valor necessário para que o Art. 7º - IV da Constituição Federal seja cumprido. País esse com 16 milhões de pessoas na extrema pobreza (com renda domiciliar per capita de até míseros R$ 70,00/mês). O argumento de que o salário do jogador virá do setor privado não vale, pois será pago pelos consumidores dos bens e serviços produzidos pelos patrocinadores cujos preços estarão encarecidos para cobrir o valor dos gastos com Tevez. Por fim, tristeza 1, grande parte dessa torcida corintiana, que emociona a todos por sua força, é quem tanto festeja a referida anistia dos impostos e a contratação de Tevez, justamente ela que engrossa a parcela dos que ganham tão mal. Tristeza 2, pesquisas mostram que quem mais paga impostos no Brasil são os pobres. Uma delas, da FIPE/USP, demonstra que quem ganha até dois SM tem carga tributária de 48% e quem ganha mais de vinte SM, 26%. Tristeza 3, ver foto com Kassab, Alkmin e Orlando Silva sorrindo e André Sanchez chorando, por ocasião do fechamento do esquema. Dói ver o fervor dessa torcida alienando-a. O pior é que o Itaquerão é só amostra do que acontecerá com uma dezena de outros estádios para a Copa 2014. Embora escassos, os recursos do Brasil são suficientes para proporcionar bom padrão de vida para todos. Isto, se aplicados com a prioridade correta, se combatida a desigualdade social e eliminados os espertalhões de todo tipo.
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