Blog do Prof. Pascoal Vaz

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

D. NADIR FINALMENTE OPERADA, APÓS 20 DIAS COM O FÊMUR QUEBRADO

Este meu artigo atualiza o postado em 18/08/2011

D. Nadir tem 78 anos, é pessoa muito simples, de corpo frágil. No último dia 5, preparava-se para ir, freqüentadora diária que é, às oficinas do Grupo Lótus, associação que cuida de pessoas com Parkinson. Caiu da cadeira e quebrou o fêmur da perna esquerda. Levada ao Hospital Municipal de S. Vicente, foi internada. No dia 9, o cardiologista deu-a como apta para cirurgia. Disseram-lhe que muito provavelmente seria operada no dia 11, no que acreditava candidamente pois, me disse, “tenho preferência por causa da idade”. De fato, no dia 10 foi levada à Santa Casa de Santos para avaliação, porquê é ali que os “femurados” de S. Vicente, entre outros doentes, são operados, após triagem e priorização difícil, tendo em vista a exigüidade de leitos do SUS. Examinada, foi confirmado que seu estado clínico estava adequado para a cirurgia. Mas, um simples detalhe, não havia vaga. Foi devolvida ao hospital vicentino. No dia 17 foi levada novamente à Santa Casa e, mais uma vez, devolvida, com a promessa de ser operada no dia 25. Nestas duas idas e vindas inúteis, foram vinte transferências entre camas, macas e ambulâncias. Quem já sofreu este trauma sabe a dor que ela deve ter sentido, ainda mais com os solavancos no transporte.

Operada no dia 25, foram vinte dias com o fêmur partido. Imagine-se a angústia e a desesperança de D. Nadir, tanto tempo com dor e imóvel na mesma posição! Não sou médico, mas imagino que uma tal espera deva prejudicar a cirurgia e a recuperação, além de aumentar o risco de pneumonia, que pode até matar, dada a idade. Penso que, se ela, com um caso grave, ficou esperando por 20 dias, deve haver dezenas (ou centenas?) de outras pessoas esperando há muito mais tempo. As enfermeiras que cuidam da ala onde D. Nair está parecem ser atenciosas. Mas me assustei com o conformismo da resposta delas: “O senhor tem razão de ficar bravo, mas é assim mesmo...”, me disseram, acostumadas com o inaceitável.

Santo Deus! Como pode ser normal número tão grande de pessoas esperar tanto em condições tão severas e graves? Porquê essa situação de descalabro permanece assim há tantos anos? Temos pelo menos indicadores sociais, de saúde e de gestão disponíveis para conhecer de fato a situação? Além do problema da falta de vagas, quanto tempo leva para se conseguir consulta em especialidades, ou exames indispensáveis e urgentes em casos que podem ser muito graves? Com que conforto e qualidade é feito o atendimento? Estas informações precisam ser atualizadas rotineiramente para conhecimento da população. Se a questão é de insuficiência de recursos, de quanto mais precisamos? Recursos existem, basta priorizá-los e utilizá-los com competência.  O poder público está correndo para diminuir o sofrimento das pessoas que não têm como pagar a medicina particular?

A idéia do prefeito Papa de reativar e reintegrar o Hospital dos Estivadores à rede da região resolve apenas parte do problema, mas precisa ser colocada em prática rapidamente, como se faz quando procuramos por sobreviventes sob escombros, pois minutos podem significar viver ou morrer. E, de fato, os doentes estão sob escombros. Quais são as providências para acelerar ao máximo a reativação?

A propósito, o recente decreto de Alckmin permitindo que hospitais estaduais de ponta destinem até 25% de seus leitos para pacientes privados é desumano e inconstitucional. Ler, a respeito, entrevista do Dr. Arthur Chioro em www.pascoalvaz.blogspot.com.

sábado, 20 de agosto de 2011

A COPA DO MUNDO JÁ TEM SEUS DERROTADOS

Leia meu artigo "De fêmur quebrado por 20 dias, à espera..." e diga se Boulos tem ou não razão.

Pascoal.

 

Por GUILHERME BOULOS*

As primeiras reações à escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo 2014 foram de festa.
De certo modo justificada: depois de mais de 60 anos, o país que tem o futebol como uma marca de cultura popular, com centenas de milhares de campos de várzea espalhados por todos os cantos, poderia voltar a ver de perto o maior evento futebolístico do planeta.
O menino da favela poderia, quem sabe, ir ao estádio ver seus maiores ídolos, que costumam se exibir apenas nos campos europeus. Um sonho…
Que não tardou muito em gerar desilusão.
De início, apareceu o incômodo problema de quem iria pagar a conta.
E veio a resposta, ainda mais incômoda, de que 98,5% do gordo orçamento do evento seriam financiados com dinheiro público, segundo estudo do TCU.
Boa parte do BNDES, é verdade.
Mas o capital do BNDES é alimentado pelo Orçamento Geral da União, portanto, dinheiro público, apesar dos malabarismos explicativos do Ministro dos Esportes.
Dinheiro que deveria ser investido no SUS, na educação, em habitação popular e tantos outros gargalos mais urgentes do país.
A questão torna-se ainda mais grave quando, motivado pelo argumento do tempo curto até 2014, o controle público dos gastos corre sério risco.
A FIFA impõe contratos milionários com patrocinadores privados. E o presidente do todo-poderoso Comitê Local é ninguém menos que Ricardo Teixeira, que dispensa comentários quanto à lisura e honestidade no trato com dinheiro.
Estes temas têm sido amplamente tratados pela grande imprensa.
No entanto, há uma outra dimensão do problema, infelizmente pouco abordada. E não menos grave.
Trata-se das consequências profundamente excludentes dos investimentos da Copa nas 12 cidades que a abrigarão.
Três anos antes da bola rolar, esta Copa já definiu os perdedores. E serão muitos, centenas de milhares de famílias afetadas direta ou indiretamente pelas obras.
Somente com despejos e remoções forçadas já há um número de 70 mil famílias afetadas, segundo dossiê de março deste ano produzido pela Relatora do Direito à Moradia na ONU, Raquel Rolnik.
E estes dados foram obtidos unicamente através de denúncias de comunidades e movimentos populares.
O que significa que os números tendem a ser muito maiores.
A Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos solicitou a representantes governamentais do Conselho das Cidades um dado estimado de famílias despejadas e recebeu a resposta de que este levantamento não existe. O Portal da Transparência para a Copa 2014 tampouco fornece qualquer informação. Há uma verdadeira caixa-preta entorno dos números.
Isso facilita que qualquer processo de remoção receba o carimbo da Copa e, deste modo, seja conduzido em regime de urgência, sem negociação com a comunidade e passando por cima dos direitos mais elementares.
E, o que é pior, na maioria dos casos não há qualquer alternativa para as famílias despejadas. Quando há, são jogadas em conjuntos habitacionais de regiões mais periféricas, com infra-estrutura precária e ausência de serviços públicos.
Não é demais lembrar que, na África do Sul, milhares de famílias continuam hoje vivendo em alojamentos após terem sido removidas para a realização da Copa 2010.
Quem sorri de orelha a orelha é o capital imobiliário.
As grandes empreiteiras e, principalmente, os especuladores de terra urbana se impõem como os grandes vitoriosos. Nunca ganharam tanto.
Levantamento recente do Creci-SP mostra que em 2010 houve uma valorização de até 187% de imóveis usados em São Paulo e um aumento de até 146% no valor dos aluguéis. A rentabilidade do investimento imobiliário superou a maior parte das aplicações financeiras Para este segmento a Copa é um grande negócio.
Quem perde com isso é a maior parte do povo brasileiro. O trabalhador que ainda podia pagar aluguel num bairro mais central é atirado para as periferias. E mesmo nas periferias, os moradores são atirados para cidades mais distantes das regiões metropolitanas.
As obras da Copa desempenham um papel chave neste processo de segregação. O exemplo de Itaquera não deixa dúvidas: os preços de compra e aluguel dos imóveis dobraram após o anúncio da construção do estádio. Aliás, não se trata de um fenômeno apenas nacional: as Olimpíadas de Barcelona (1992), por exemplo, foram precedidas de um aumento de 130% no valor dos imóveis; em Seul (1988) 15% da população sofreu remoções. A conta costuma ficar para os mais pobres.
Isso quando não se paga com a liberdade ou a vida. Na África do Sul, durante a Copa 2010, foi criada por exigência da FIFA uma legislação de exceção, com tribunais sumários para julgar e condenar qualquer transgressão. O Pan do Rio foi precedido de um massacre no Morro do Alemão, com dezenas de mortos pela polícia, supostamente “traficantes”. Despejos arbitrários, repressão ao trabalho informal, manter os favelados na favela e punir exemplarmente qualquer “subversão”, eis a receita para os mega-eventos. Receita que mistura perversamente lucros exorbitantes, gastos públicos escusos e exclusão social.
*Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), militante da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos e da CSP Conlutas (Central Sindical e Popular).

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

ONDE A DESUMANIDADE É REGRA


Paulo Schiff no Jornal Diário do Litoral

Imagem 01: É de hoje. Você ainda vai ver nos telejornais regionais durante o dia. Ou no DL de amanhã. É do governador Geraldo Alckmin na Baixada Santista. Inaugurando novas instalações da Polícia Militar. Participando de reunião da Agência Metropolitana de Santos.
Imagem 02: É de terça-feira. Você viu ontem. É do prefeito João Paulo Papa, recebendo, lá em Brasília, as chaves do prédio do antigo Hospital dos Estivadores de Santos.
Imagem 03: É de hoje também. Essa é provável que a gente não veja. Dificilmente vai estar nos jornais ou telejornais. Trata-se da remoção, por ambulância, de uma senhora de 78 anos. Ela está com uma fratura no fêmur desde sexta-feira da semana passada no CREI de São Vicente. Vai ser levada para a Santa Casa de Santos. Depois de uma semana sem nenhum procedimento, vai receber uma “avaliação”.
Uma desumanidade.
As três imagens guardam íntima relação. O governador vai estar por aqui para olhar mais de perto as questões da Baixada. No início deste ano, em uma dessas visitas, prometeu liberar R$ 90 milhões para a área da Saúde da região.
Pelas contas do jornalista Rodolfo Amaral, infalível com os números, mesmo liberando esse dinheiro, o governo estadual ainda estaria em dívida grossa com os municípios do litoral.
Esse dinheiro faz falta.
Os prefeitos têm tentado cobrir essa carência. As chaves do hospital nas mãos de Papa representam simbolicamente esse esforço. São Vicente aplica mais de 30% do minguado orçamento municipal na Saúde ( a determinação da Constituição é de no mínimo 15%). Mesmo assim, se o prefeito Tércio Garcia aparece num ambulatório, AME, hospital ou qualquer outro lugar onde as pessoas deveriam estar recebendo tratamento, o resultado é um tsunami de reclamações. E até de palavrões.
Sabe por quê? Porque a desumanidade com a senhora com fratura de fêmur, por relatos das próprias enfermeiras do CREI, aqui na Baixada é regra e não exceção.

DE FÊMUR QUEBRADO POR 20 DIAS, À ESPERA...

D. Nadir tem 78 anos, é pessoa muito simples, de corpo frágil. No último dia 5, preparava-se para ir, freqüentadora diária que é, às oficinas do Grupo Lótus, associação que cuida de pessoas com Parkinson. Caiu da cadeira e quebrou o fêmur da perna esquerda. Levada ao Hospital Municipal de S. Vicente, foi internada. No dia 9, o cardiologista deu-a como apta para cirurgia. Disseram-lhe que muito provavelmente seria operada no dia 11, no que acreditava candidamente pois, me disse, “tenho preferência por causa da idade”. De fato, no dia 10 foi levada à Santa Casa de Santos para avaliação, porquê é ali que os “femurados” de S. Vicente, entre outros doentes, são operados, após triagem e priorização difícil, tendo em vista a exigüidade de leitos do SUS. Examinada, foi confirmado que seu estado clínico estava adequado para a cirurgia. Mas, um simples detalhe, não havia vaga. Foi devolvida ao hospital vicentino. No dia 17 foi levada novamente à Santa Casa e, mais uma vez, devolvida. A promessa, agora, é de ser operada no dia 25. Nestas duas idas e vindas inúteis, foram vinte transferências entre camas, macas e ambulâncias. Quem já sofreu este trauma sabe a dor que ela deve ter sentido, ainda mais com os solavancos no transporte.
Se for operada no dia 25, terão sido vinte dias com o fêmur partido. Imagine-se a angústia e a desesperança de D. Nadir, tanto tempo com dor e imóvel na mesma posição! Não sou médico, mas imagino que uma tal espera deva prejudicar a cirurgia e a recuperação, além de aumentar o risco de pneumonia, que pode até matar, dada a idade. Penso que, se ela, com um caso grave, terá ficado esperando por 20 dias, deve haver dezenas (ou centenas?) de outras pessoas esperando há muito mais tempo. As enfermeiras que cuidam da ala onde D. Nair está parecem ser atenciosas. Mas me assustei com o conformismo da resposta delas: “O senhor tem razão de ficar bravo, mas é assim mesmo...”, me disseram, acostumadas com o inaceitável.

Santo Deus! Como pode ser normal número tão grande de pessoas esperar tanto em condições tão severas e graves? Porquê essa situação de descalabro permanece assim há tantos anos? Temos pelo menos indicadores sociais, de saúde e de gestão disponíveis para conhecer de fato a situação? Além do problema da falta de vagas, quanto tempo leva para se conseguir consulta em especialidades, ou exames indispensáveis e urgentes em casos que podem ser muito graves? Com que conforto e qualidade é feito o atendimento? Estas informações precisam ser atualizadas rotineiramente para conhecimento da população. Se a questão é de insuficiência de recursos, de quanto mais precisamos? Recursos existem, basta priorizá-los. O poder público está correndo para diminuir o sofrimento das pessoas que não têm como pagar a medicina particular?

A idéia do prefeito Papa de reativar e reintegrar o Hospital dos Estivadores à rede da região resolve apenas parte do problema, mas precisa ser colocada em prática rapidamente, como se faz quando procuramos por sobreviventes sob escombros, pois minutos podem significar viver ou morrer. E, de fato, os doentes estão sob escombros. Quais são as providências para acelerar ao máximo a reativação?

A propósito, o recente decreto de Alckmin permitindo que hospitais estaduais de ponta destinem até 25% de seus leitos para pacientes privados é desumano e inconstitucional. Ler, a respeito, entrevista do Dr. Arthur Chioro neste blog, postada em 16/08/2011.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

PRIVATIZAÇÃO INACEITÁVEL DE HOSPITAIS PÚBLICOS DO ESTADO DE S. PAULO

Neste momento, aquela senhora de 78 anos objeto de meu comentário do dia 10/8/2011, que está no Hospital Municipal de S. Vicente, antigo Creis, vai ser operada no dia 18 próximo, se nada for alterado. Terão sido 13 dias com o fêmur quebrado (imaginem o sofrimento), espera devida a FALTA DE VAGAS, assunto escabroso que me leva a pedir aos amigos que leiam a entrevista a seguir do Dr. Arthur Chioro, profissional competente e ser humano  comprometido com a causa pública. 

Arthur Chioro: Planos privados de saúde vão economizar e paulistas pagarão a conta

por Conceição Lemes
Nessa semana, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE) deu entrada à ação civil pública contra a lei complementar nº 1.131/2010, que permite aos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) destinar até 25% dos seus leitos e serviços para planos de saúde e particulares.
A lei da Dupla Porta, como é conhecida, é do ex-governador Alberto Goldman (PSDB), obteve aprovação da Assembleia Legislativa e foi regulamentada em julho de 2011 pelo atual governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A ação do MPE responde à representação de diversas entidades da sociedade civil, entre as quais o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo. Em assembleia realizada na cidade de Santos, em 31 de março, o Cosems-SP votou por unanimidade contra a lei paulista. O Cosems-SP representa os 645 municípios do estado.
“A lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas, tira dos mais pobres para dar às empresas privadas de saúde e aos mais abastados”, denuncia o médico Arthur Chioro, atual presidente do Cosems-SP e secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, no Grande ABC. “Reduz em até 25% a capacidade dos hospitais públicos que hoje já é insuficiente para atender aos usuários do SUS. É uma afronta às constituições estadual e federal. É uma lei anti-SUS [Sistema Único de Saúde].”
“Em fevereiro deste ano, durante audiência, os sete prefeitos do ABC pressionaram o secretário estadual de Saúde [Guido Cerri] contra a lei 1.1.31/2010”, revela Chioro. “Ele tranquilizou-os, dizendo que os hospitais mantidos pelo estado no ABC por meio de OSs não entrariam nessa lógica de vender leitos e serviços para planos de saúde e particulares. Disse também que estava pensando em adotar essa política para o Icesp e o Brigadeiro. Foi o que aconteceu. Eles são as jóias da coroa, que aliviarão os custos dos planos privados de saúde e todos os cidadãos paulistas pagarão por isso.”
Chioro presenciou a audiência. O Icesp é o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. O Brigadeiro é o atual Instituto de Transplantes do Estado de São Paulo “Dr. Euryclides de Jesus Zerbini”. São hospitais públicos de alta complexidade, seguramente de ponta nas respectivas áreas.
Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Chioro já foi secretário da Saúde de São Vicente (Baixada Santista), diretor do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde e consultor da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). É a segunda vez que ocupa a presidência do Cosems-SP.
Sugiro que leiam a entrevista dele na íntegra. Depois, respondam nos comentários: a lei paulista que reserva leitos dos hospitais públicos para usuários de planos de saúde e particulares é ética?
Viomundo – O senhor costuma dizer que a lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas. Por quê?
Arthur Chioro – O Robin Hood tirava dos ricos para dar aos pobres. A lei 1.131/2010 faz o oposto. Tira dos pobres para dar à classe média alta, aos planos privados de saúde. Por isso eu a chamo de Robin Hood às avessas. Ela rompe o princípio da equidade, que é um dos princípios do SUS: cuidar mais de quem precisa.
Viomundo – De que maneira?
Arthur Chioro – De duas formas. Primeiro, na fonte, na origem. Depois, no acesso aos hospitais públicos de alta complexidade.
Viomundo – De que modo na origem?
Arthur Chioro — Peguemos a situação do Icesp e do Brigadeiro, que é o atual Instituto de Transplantes, os  primeiros hospitais geridos por OSs a receber autorização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para vender até 25% da sua capacidade.
O paciente não pode ir direto para nenhum dos dois. Só vai para um hospital de alta complexidade se for encaminhado pelo médico que o atendeu no consultório particular, no caso de ser cliente privado ou de plano de saúde. Ou, se for SUS, pela Central de Regulação do Sistema Único de Saúde, quando atendido na unidade básica de saúde ou no serviço público especializado.
Assim, o paciente SUS para ser atendido tem de passar primeiro por uma unidade básica ou pela equipe da Saúde da Família. Na hipótese de a avaliação física ou os exames laboratoriais iniciais levantarem a suspeita de câncer ou a necessidade de transplante, ele é encaminhado para um serviço especializado. Aí, serão pedidos novos exames para descartar ou fechar o diagnóstico e fazer o estadiamento do tumor se a suspeita for câncer.
Só com o diagnóstico confirmado esse serviço poderá solicitar o encaminhamento para o Icesp para cirurgia, quimioterapia, radioterapia e acesso à assistência farmacêutica. Ou a inclusão na fila de transplantes e uma vaga para o Instituto de Transplantes.
Já o paciente particular ou de plano faz logo os exames complementares e o diagnóstico é fechado rapidamente por seu médico que o atende na clínica privada ou da empresa médica e que muitas vezes pertence ao corpo clínico desses hospitais. Todos nós que atuamos na gestão em saúde sabemos o quanto é determinante para garantir acesso ao hospital a intervenção do próprio médico, que acaba criando mecanismos de microrregulação e controlando o acesso aos leitos muito mais do que as centrais de regulação de leitos.
Assim, acabará ocorrendo acesso mais rápido e privilegiado dessa clientela ao Icesp e ao Instituto de Transplantes, como já se observa em hospitais públicos universitários.  Ao arrepio da lei, eles mantêm a dupla porta para os planos de saúde. A experiência demonstra que essa situação acabará ocorrendo.  E, dessa maneira, os principais equipamentos construídos e comprados com recursos públicos, passam a ser ocupados por uma clientela privada, aliviando os custos dos planos de saúde e a classe média alta e da elite que pode pagar por serviços particulares.
Viomundo – Quanto tempo leva, em média, para o usuário do SUS fazer toda a peregrinação: agendar consulta, fazer exames, receber resultados, ir ao especialista, fazer exames confirmatórios…?
Arthur Chioro – Pode levar meses, pois a rede pública é insuficiente para atender à demanda. No serviço público, há um verdadeiro gargalo na atenção especializada. Já o paciente particular ou de plano privado pode ter o diagnóstico fechado em uma ou duas semanas. Por isso, a lei 1.131/2010 cria, de cara, já na origem, na fonte, uma desigualdade de acesso.
Aliás, o diagnóstico rápido é muito bom para as operadoras de saúde suplementar [planos e seguros de saúde], pois elas podem repassar mais depressa a conta para o sistema público pagar ou aliviar os custos que seriam muito maiores se esse paciente fosse acompanhado em serviços privados. Além disso, é mais vantajoso para as operadoras de planos de saúde utilizar uma rede pública de excelência do que investir na construção e manutenção de serviços privados.
Viomundo – Essa maior demora não pode retardar o tratamento e influir no prognóstico?
Arthur Chioro – Pode, pois de saída o paciente SUS demora mais para ter o diagnóstico fechado. Mas não é o único obstáculo no seu caminho. Depois, feito o diagnóstico, demora para conseguir vaga num hospital de alta complexidade, pois é o grande gargalo da rede pública de saúde.
E agora, com a nova lei, a situação tende a piorar. Como os serviços já são insuficientes para atender à demanda dos usuários do SUS, com a venda de até 25% dos leitos e serviços dos hospitais de alta complexidade, haverá menos vagas. O que significa mais tempo de espera para o paciente SUS iniciar o tratamento.
No caso de câncer, dependendo da agressividade do tumor, essa postergação poderá exigir tratamento mais agressivo, cirurgia mais mutilante e aumentar a mortalidade. Isso não é justo! Não é à toa que os protocolos internacionais preconizam que entre a suspeita de um diagnóstico de câncer e o início do tratamento devem transcorrer 45 dias, no máximo. Em alguns tipos de tumores, um tempo ainda menor.
Viomundo – Mas os defensores da lei 1.131/2010 alegam que os pacientes SUS não serão prejudicados.
Arthur Chioro – Balela. Vamos supor que um hospital público tenha 200 leitos  destinados ao SUS, o que corresponde a 100% de sua capacidade operacional.  Com a nova lei, até 50 vagas poderão ser comercializadas com a iniciativa privada.
O que vai acontecer? Em vez de 200 vagas para o SUS, serão 150. Se as 200 já eram insuficientes, o que dirá 150, concorda?
Ou seja, a lei 1.131/2010 vai diminuir o acesso do paciente SUS a um serviço de alta complexidade e de excelente qualidade quando ele precisar. E o que já é demorado vai demorar mais ainda.
Viomundo – O senhor é totalmente contra o atendimento de usuários de planos de saúde e particulares em hospitais públicos de excelência?
Arthur Chioro – O SUS produziu avanços enormes, inegáveis. Só que historicamente a rede pública de saúde trabalha com subfinanciamento e tem uma série de restrições. A rede de serviços ainda é insuficiente para dar conta do crescente número de usuários e das mudanças no padrão de necessidades em função das condições de vida, como o envelhecimento e a violência.
Eu, no entanto, não sou xiita. Se nós tivéssemos vagas sobrando, aí, poderíamos, sim, imaginar o que fazer com a capacidade ociosa e negociar um valor diferente para usuários de saúde suplementar, buscando maior otimização e melhor relação custo/benefício.
Mas essa não é a realidade. Na atual situação, é restringir o acesso de quem precisa – o usuário do SUS — para quem deveria ter isso contratualmente – os clientes de plano privados.
Viomundo – Explique melhor isso.
Arthur Chioro – Ao contrário do que muita gente acredita equivocamente, os hospitais públicos de alta complexidade no Brasil são excelentes. No caso de São Paulo, são referência nacional.  Tanto que quando alguém precisa de um tratamento de ponta vai geralmente para esses serviços públicos. Já a rede privada de hospitais com capacidade de realizar tratamentos de primeira linha é pequena, insuficiente, limitada e caríssima para as operadoras de planos de saúde.
O que acontece? Na hora de vender, os planos privados estabelecem a lógica de mercado: cobram mensalidades caríssimas dos seus clientes para oferecer os hospitais particulares topo de linha. Porém, na hora de pagar a conta, querem dividir o custo com o sistema público de saúde, que é universal e gratuito. Não é raro o paciente de plano privado ter de fazer uma cirurgia X ou Y no hospital público pelo SUS, porque o seu plano não cobre o procedimento ou porque na rede privada não há quem o faça. Ou seja, não cumprem o que está no contrato. Tiram, portanto, vaga do paciente do SUS.
Viomundo – Com a possibilidade de o Icesp e do Instituto de Transplantes venderem até 25% dos serviços, como ficará a situação?
Arthur Chioro – Os planos privados terão interesse em fazer com rapidez os exames, fechar o diagnóstico e passar logo o paciente para um desses hospitais públicos, dependendo da doença. É uma maneira de empurrar para o sistema público de saúde o financiamento da privada, de aliviar os seus custos.
Viomundo – De que modo já que os planos terão de pagar de qualquer jeito os tratamentos de câncer e os transplantes?
Arthur Chioro – Aí está um dos pulos do gato. Pagarão, é verdade, mas bem menos do que se esses procedimentos fossem realizados na rede privada de primeira linha.
Eu explico. Os poucos serviços privados de qualidade que podem tratar câncer e realizar transplantes custam muito caro. Assim, se esses serviços fossem prestados na rede privada, as operadoras de planos teriam de gastar muito mais do que vão pagar agora ao Icesp e ao Instituto de Transplantes.  Então aquilo que é caro, onera o lucro do empresário, vai ser dividido pelos paulistas como um todo. Isso é inconcebível para o sistema público.
Viomundo – Mas os defensores da lei dizem que o atendimento de usuários de planos privados seria uma forma de levar dinheiro para a instituição e, assim, ampliar a assistência aos pacientes do SUS.
Arthur Chioro – Essa é outra balela. É um falso argumento para a privatização desses hospitais. Quanto desse dinheiro de convênio e particular financiará o hospital? Quanto irá para o pagamento dos médicos, enfermeiros e demais profissionais da equipe? Os recursos captados serão utilizados para ampliar o gasto em saúde ou para aliviar o déficit público? É sabido que a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo precisa operar um ajuste de R$ 950 milhões em 2011 para fechar o seu orçamento.
Sei que alguns vão rebater dizendo que os hospitais públicos recebem pela tabela SUS, que é muito baixa. Só que os hospitais de ensino, os hospitais de alta complexidade, como é o caso do Icesp e do Instituto do Transplantes, recebem recursos do tesouro estadual e são custeados também com recursos diferenciados do Ministério da Saúde.  Há muito tempo a tabela do SUS não é mais utilizada como referência para financiá-los. Mais precisamente desde 2004, quando foi estabelecida a política nacional para reestruturação dos hospitais de ensino.
Querem ressarcir os gastos com pacientes de planos de saúde que são tratados gratuitamente pelo SUS? Ótimo. Os secretários municipais de Saúde são favoráveis. A lei atual que regula o ressarcimento ao SUS tem realmente muitas deficiências. Vamos aperfeiçoar as regras do jogo. Vamos pressionar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para estabelecer um sistema de regulação mais eficiente para o ressarcimento.
O governador Geraldo Alckmin e a bancada federal paulista, de todos os partidos, têm força política suficiente para ajudar o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde a enfrentar esse debate e aperfeiçoar a lei que regulamenta os planos de saúde, onde está previsto o ressarcimento.
Se a questão é mesmo financiamento, vamos também mobilizar senadores e deputados de todos os partidos em Brasília para aprovar a emenda 29 e uma fonte de financiamento permanente e suficiente, para que definitivamente haja recursos para a saúde.
Mas isso tem de ser decidido a priori. E não selecionar a clientela dos planos de saúde pra vir ocupar as vagas dos pacientes dos SUS. Eu não vejo nenhuma argumentação plausível para aceitar essa lei estadual, que já está sendo aplicada em dois hospitais.
Tirar de quem precisa para financiar indiretamente o Estado e aliviar o caixa das operadoras de planos de saúde, valha-me meu Deus!
Viomundo – Desde o ano passado, quando o ex-governador Goldman encaminhou à Assembleia o projeto dessa lei, eu ouço o boato de que o foco dela seriam principalmente o Icesp e o antigo Brigadeiro…
Arthur Chioro – Foi o que aconteceu. Isso já estava previsto. Em fevereiro deste ano, durante audiência, os sete prefeitos do ABC pressionaram o secretário estadual de Saúde [Guido Cerri] contra a lei 1.1.31/2010. Ele tranquilizou-os, dizendo que os hospitais mantidos pelo estado no ABC por meio de OSs não entrariam nessa lógica de vender leitos e serviços para planos de saúde e particulares. Disse também que estava pensando em adotar essa política para o Icesp e o Brigadeiro. Não deu outra. Eles são as jóias da coroa, que aliviarão os custos dos planos privados de saúde e todos os cidadãos paulistas pagarão por isso. Não consigo, entretanto, imaginar que ficará restrita aos dois hospitais.
Eu só consigo entender essa lei como uma política de Robin Hood às avessas.  É tirar dos pobres para dar aos abastados, para a classe média alta, para aqueles que têm plano de saúde. É uma perversão da lógica, que objetiva a desestruturação do SUS, um sistema universal, baseado na equidade e na integralidade.
Viomundo – Aposto que a essa altura usuários de planos devem estar querendo fazer a seguinte pergunta ao senhor: considerando que o SUS é um sistema universal, ao qual todo brasileiro pode ter acesso, por que eles não poderiam ser também atendidos nesses hospitais públicos de excelência e alta complexidade?
Arthur Chioro – Eu não vejo problema no atendimento, desde que entrem na mesma fila dos pacientes do SUS, que haja igualdade de oportunidades. Não é o que acontece e nem o que os usuários dos planos querem. Como estão pagando, querem ter o privilégio de serem atendidos primeiro. Aí, há uma fila para os pacientes do SUS e outra para a dos convênios e particulares. Estes, como eu já disse, vão ser atendidos logo. Para os do SUS a espera será bem mais longa.
Viomundo – O fato de o Icesp e o Instituto de Transplantes terem sido as primeiras instituições autorizadas a negociar os 25% significa o quê?
Arthur Chioro – O que está pela frente?
Viomundo – Sim.
Arthur Chioro – Restrição de acesso à população.
Viomundo — E por trás?
Arthur Chioro — A dupla porta, a privatização. Os interesses de vários setores  envolvidos nessa questão.
Viomundo – E agora que lei foi regulamentada e já está em prática?
Arthur Chioro – No dia a dia, como secretário da Saúde de São Bernardo do Campo e presidente do Cosems-SP, tenho tido um excelente diálogo com a Secretaria Estadual de Saúde, pactuando várias políticas de interesse para o SUS e para os municípios paulistas, estabelecendo parcerias com o governo do Estado, assim como já temos com o Ministério da Saúde. Mas nessa questão da lei 1.131/2010 não há acordo.
Ela é uma afronta às constituições estadual e federal, ao SUS. O caminho possível agora é tentar derrubá-la na Justiça. A sociedade paulista vai ter também de se envolver nessa discussão, pois vai interferir diretamente na assistência à saúde dela. Para nós, é impossível aceitar essa política anti-SUS, que é uma conquista de todos os brasileiros.
PS 1 do Viomundo: Considerando que a lei paulista é anti-SUS, reitero ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha,  as perguntas que fiz na reportagem publicada em 11 agosto:
1) Até quando o Ministério da Saúde vai continuar dando dinheiro para São Paulo entregar aos planos privados de saúde?
2) Não seria o caso, ministro,  de já iniciar o processo de desabilitação de São Paulo da gestão plena do SUS?
PS2 do Viomundo: Desde o dia 10 , solicito entrevista com o ministro Padilha para conversar sobre o assunto. Até a postagem desta matéria com doutor Arthur Chioro,  às 11h52 de segunda-feira, 15 de agosto, não obtive resposta.
PS 3 do Viomundo: Se os usuários de planos de saúde acham que o problema não lhes diz respeito, pois acreditam que serão atendidos nesses hospitais de excelência e alta complexidade, sinto desapontá-los. Primeiro, nem todos os planos serão aceitos. A tendência é os contratos serem fechados com os planos melhores; os demais, ficarão a ver navios, como já acontece nos hospitais públicos de ensino que atendem convênios e particulares. Segundo, hoje, vocês têm condições de arcar com os custos de um bom plano. Mas quem garante que amanhã continuará a ter?  Todos nós estamos sujeitos às trombadas da vida, portanto pensar solidariamente hoje nos que precisam, pode beneficiar vocês, mesmos, no futuro.
Ministro Alexandre Padilha, até quando vai dar dinheiro do SUS para SP entregar aos planos privados de saúde?
Alckmin vende até 25% dos leitos hospitalares do SUS para reduzir rombo de R$ 147 milhões nas OSs
Hospitais públicos gerenciados por OSs: o rombo acumulado é de R$ 147,18 milhões
Saiba quais deputados paulistas votaram pela lei que destina leitos do SUS a planos de saúde e particulares
Meu twitter: @conceicao_lemes, siga à vontade.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

NOVA CRISE FINANCEIRA: ENTENDAS AS CAUSAS REAIS

Quem quiser entender as causas da crise econômico-financeira que reaparece, deve assistir ao documentário "Inside Job", traduzido literalmente por "Trabalho Interno". Filme muito bem feito, com dezenas de depoimentos de pessoas importantes no processo. O filme mostra a podridão humana por dentro do sistema financeiro americano bem como a impunidade (só lá?). Simplesmente arrasador.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

SAÚDE DA BAIXADA SANTISTA EM FRANGALHOS

Hoje discutimos na Rádio Rock, 98,1, no Jornal das Sete, levado pelo jornalista Paulo Schiff, o caso de uma senhora de 78 anos, bastante humilde, moradora em bairro longínquo de São Vicente, que caiu no dia 05/08/2011 e quebrou o fêmur. Levada ao Creis de S. Vicente, recebeu os primeiros socorros e foi internada. Fui visitá-la ontem, dia 09, e ela me disse que estava marcada, para dia 11, sua transferência para a Santa Casa de Santos, quando será feita avaliação de seu estado e definido o quê e quando será resolvido seu caso. Inconformado com a demora, fui falar com a enfermagem. Me foi dito que é assim mesmo....Santo Deus!!! Seis dias completamente imobilizada e sem saber o que será feito dela. Ingenuamente, essa senhora ainda me disse que, "como sou velha, terei preferência de atendimento...". Me foi dito lá que há um senhor, com o braço quebrado junto ao ombro, esperando há 15 dias a compra de placa ou pino para ser operado: a prefeitura diz não ter dinheiro. Reiterei no ar minha antiga proposta: que os detentores de cargos públicos (de todos os níveis) sejam obrigados, em caso de ficarem doentes, a ser atendidos em unidades públicas de saúde. Paulo Schiff lembrou do projeto de lei de Cristovam Buarque obrigando os filhos de deputados federais e de senadores a estudar em escola pública...Os serviços de saúde e de educação melhorariam rapidamente!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

ERRATA

O artigo publicado aqui no dia 05/08/2011, sob o título "Dilma e Papa: sobre a erradicação da extrema pobreza", foi publicado, resumido, em A Tribuna de hoje, pg. A2, sob o título "Dilma, Papa e a extema pobreza". Ocorre que houve um engano na composição gráfica. As extensões das siglas SEAS e DIEESE (Secretaria de Assistência Social e Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Socioeconômicos), que eu enviara como nota de rodapé, saíram logo em seguida ao meu nome, o que pode ser eventualmente interpretado indevidamente como sendo eu ligado àquelas entidades. Daí este registro.

sábado, 6 de agosto de 2011

UM NOVO BRASIL É POSSÍVEL...

Hoje pela manhã fui ao Clube dos Ingleses, em Santos, assistir a um campeonato regional/estadual de bad minton. Meu neto ia jogar pela sua escola, a Novo Tempo. Ao iniciar, tocou o Hino Nacional. Como sempre, poucos cantaram. Entre a mininada, quase nenhum. Ao canto, porém, algo me chamou a atenção e me emocionou: um grupo de garotos surdos-mudos, seguia a professora que usava o método Libra para interpretar-lhes a letra do hino. E eles o "cantaram" alegremente. Palavra, foi o Hino brasileiro mais lindo que "ouvi". E me dei conta de como vale a pena o trabalho de inclusão...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

DILMA E PAPA: SOBRE A ERRADICAÇÃO DA EXTREMA POBREZA

Chega em boa hora o projeto de lei “Programa Municipal de Erradicação da Extrema Pobreza e da Fome” que o prefeito Papa enviou, em 1º. deste mês, à apreciação do Legislativo. Seria ótimo se todos os outros municípios do Brasil, mais de 5.600, respondessem com tanta rapidez “ao chamamento da presidente Dilma Rousseff para os municípios participarem ativamente do programa do Governo Federal Brasil sem Miséria”, como disse Papa.
O trabalho que embasa o projeto foi apresentado detalhadamente pelo seu autor, economista Jorge Telésforo, funcionário público da SEAS-Secretaria de Assistência Social da prefeitura, numa das reuniões mensais do Comitê Objetivos do Milênio-ODM. Conheço Jorge há muitos anos e sei de sua competência e seriedade. Eu e ele discordamos por vezes, quase sempre em termos de grau ou de ênfase, sobre o enfrentamento de conflitos sociais num país de tão gritantes injustiças; confesso que sou um pouco mais afoito, ele mais sereno. Talvez por isso ele tenha conseguido realizar tarefa tão boa e exaustiva.
Entendo que o trabalho é tão importante para o Brasil sem Miséria que, quando da citada reunião do ODM, os presentes concordaram que constasse em ata a idéia, a ser encaminhada ao Papa, de que levasse Jorge em audiência com Ana Fonseca, chefe da Secretaria Extraordinária de Erradicação da Pobreza, que Dilma criou junto ao MDS. Me ocorre agora que a SEAS deveria se dispor, por exemplo, a criar um curso de ensino à distância para que tal metodologia pudesse ser disseminada Brasil a fora.
            Em síntese, em processo bem informatizado, sua especialidade, Jorge compilou, em um cadastro realmente único, para cada uma das 7.737 famílias santistas assistidas pelos governos Federal, Estadual e Municipal, o valor dos benefícios sociais que recebem e de seus próprios rendimentos, dividindo depois o total pelo número de seus membros, chegando ao valor mensal familiar per capita. O projeto santista se compromete a complementar tal valor de modo a que nenhuma família fique com menos de R$ 70,00 por pessoa por mês. Foram encontradas 2.529 famílias nessa situação.
Aqui é que a porca torce o rabo, e como torce. Uma vez completado este valor pela prefeitura, de modo a que nenhum cidadão santista usufruísse menos do que R$ 70,00 por mês, estaria decretada a erradicação da extrema miséria e a fome em Santos. Santo Deus! Não é preciso ser um gênio das finanças para concluir pela irrelevância deste valor. Mal daria para um só cafezinho diário, e não daria para uma passagem de ônibus por dia. Mas se quisermos elaborar um pouco mais, façamos a melhor comparação possível, a mais lídima e irretorquível, ou seja, com o valor do salário mínimo que a Constituição Federal, em seu Art. 7º.- IV, indica como o valor que uma família de casal com duas crianças deve receber para viver com o mínimo de dignidade. O DIEESE-Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos faz, para simplificação, as duas crianças valendo por um adulto e calcula esse valor, portanto, para três pessoas. Em maio passado, era de R$ 2.293,31/mês, ou R$ 764,44 per capita. Os R$ 70,00, assim, significam apenas 9,2% do mínimo constitucional. Claro, ninguém seria louco de propor que, a curto prazo, se elevasse o parâmetro de pobreza para R$ 764,44. Mas também é inconcebível aceitar os R$ 70,00. O Brasil tem condições, e Santos mais ainda, de elevar significativamente este valor. Venho manifestando esta opinião há alguns anos em seminários e pela imprensa. Inclusive, junto à Secretária Ana Fonseca, pois o Brasil sem Miséria também adota os R$ 70,00. (Ver o artigo “Dilma acerta em priorizar o combate à pobreza, mas...”, de março/2011, neste blog).
Argumenta-se que os R$ 70,00 se adéquam a mínimos indicados pelo Banco Mundial e pelo Bolsa Família, como se parâmetros instituídos erradamente  devessem ser eternos. E, também, que é preciso cuidado para não deixar a cidade vulnerável à invasão de pessoas de cidades vizinhas, como se cada uma das 2.529 famílias não estivessem já cadastradas e definidas. Ademais, como combater a desigualdade e a pobreza se não a partir das melhores cidades, como Santos, com PIB per capita três vezes o do Brasil? Na verdade, nos conformamos a desigualdades incríveis, como por exemplo, a de que 27 milhões de trabalhadores ganhem até um salário mínimo e outros 20 milhões de aposentados um SM (seriam pouco esforçados, diz-se), enquanto uns poucos milhares ganhem mil SM (teriam muita responsabilidade, diz-se). Daí a insignificância dos R$ 70,00 passar despercebida...
Os vereadores santistas estão desafiados a debater em alto nível. O projeto que receberam exige dotação de R$ 3,3 milhões/ano, ou apenas 0,24% do orçamento deste ano. A IX Conferência Municipal de Assistência Social propôs que o parâmetro de extrema pobreza fosse elevado de R$ 70,00 para meio SM, ou R$ 272,50, aumento significativo mas que, ainda assim, fixaria o parâmetro em apenas 1/3 do SM per capita constitucional. O orçamento suportaria? Não? Que tal dobrar para R$ 140,00? Em minutos, o Jorge pode fazer várias simulações. A partir delas e após um aberto debate com a sociedade quanto às prioridades no orçamento 2012, se decidiria quanto aportar. E, a maior vitória, Santos estaria rompendo a letargia nacional que nos amolda ao parâmetro atual que nos tira o sono justo.
O PIB per capita brasileiro é menos da metade do santista. Mas, mesmo assim, suportaria um parâmetro de extrema pobreza bem superior ao de R$ 70,00. Acredito que Dilma, pela sua bela história, sabe da insuficiência deste valor. Sua assessoria é que a deve estar contendo. Elevando o parâmetro, Santos estaria dando força à Dilma para propor uma reavaliação do valor nacional. O excelente programa Brasil sem Miséria ganharia mais dimensão política, pois os 16,2 milhões contados a partir dos R$ 70,00, no mínimo dobrariam, o mesmo acontecendo em Santos.
Se de fato não der para aumentar o parâmetro, pelo amor de Deus, não se diga, em Brasília ou em Santos, que, uma vez completado o parâmetro, teríamos eliminado a extrema pobreza.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

DILMA ACERTA EM PRIORIZAR O COMBATE À POBREZA, MAS...(Original publicado em mar/2011)

Em seu primeiro discurso após a posse, a Presidenta Dilma afirmou que “a luta mais obstinada do meu governo será a erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos”. Priorização absolutamente correta, seja no que se refere ao funcionamento da economia, seja do ponto de vista ético que, diga-se, deve balizar o econômico. No cerne, a questão da desigualdade social. Quanto à economia, sabe-se hoje ser uma falácia a exigência de se escolher entre (o esnobe economês trade off)  eficiência e equidade, esta entendida como a busca da efetiva, real, igualdade de oportunidades[1]. Sem equidade, a médio e longo prazo a produtividade sistêmica/social tende a piorar rapidamente. Exemplo: investe-se 5,7% do PIB em educação e gasta-se o dobro disto na vã tentativa de combate à violência, que tem sua raiz na violência maior que é a desigualdade social. Aliás, Dilma, reafirmando sua prioridade, acaba de propor ao Secretário Geral da ONU um debate sobre segurança e desenvolvimento social, bem como a instalação no Brasil de uma universidade da ONU sobre o tema. Criou, além disso, a Secretaria Extraordinária de Combate à Pobreza, nomeando para o cargo a conhecida socióloga e economista Ana Fonseca.
Do ponto de vista ético, estando os valores sociais de cabeça para baixo no Brasil, a busca da melhora dos padrões morais deve ter como um dos pontos principais o combate à desigualdade social. É inaceitável termos 27,2 milhões de trabalhadores[2] e 19,3 milhões de beneficiários do INSS[3] ganhando, não um, mas até um salário mínimo-SM por mês enquanto algumas centenas de executivos financeiros, por exemplo, mas não só, têm renda mensal que chega a superar mil SM (consulte-se a CVM). Nenhuma política pública, aí incluída a econômica, pode ser concebida pelo novo governo sem que se tenha a certeza de que ela ajudará na redução da desigualdade social. O Brasil já dispõem, na média, frise-se bem, na média, de PIB per capita anual de 10.607 US$[4] (dólar especial para comparação internacional), igual à média mundial, e IDH=0,699[5] na faixa considerada pela ONU como de países de alto desenvolvimento humano (acima de 0,670). Temos pródigos recursos naturais (energia solar, eólica, hídrica, fóssil/pré-sal; muita terra fértil; costa imensa; água em abundância; grande biodiversidade etc); parque industrial, tecnologia e capacidade gerencial mais do que suficientes e trabalhadores de bom potencial. Com o estágio alcançado, se tivéssemos desigualdade social minimamente aceitável, não teríamos pobres no Brasil. Nossa desigualdade é tamanha que, quando o PNUD ajusta o IDH dos países pela desigualdade, o índice brasileiro cai 27,2%, de 0,699 para 0,509, fazendo o Brasil perder 15 posições, desabando do 73º. para 88º. lugar, entre 169 países[6].
Avançou-se econômica e socialmente no governo Lula. A maior vitória, no entanto, foi a quebra de preconceitos contra as pessoas das escalas sociais mais baixas. O desempenho de Lula as redescobre como portadoras de direitos humanos fundamentais e em condições para exercer atividades dignas e produtivas. A inclusão não só é vista como uma possibilidade, mas é aceita como uma imposição de justiça social e de inteligência econômica. A concretização da inclusão implica em igualdade de oportunidades. Mas não só no sentido de as pessoas não serem proibidas de vislumbrar projetos de vida generosos, mas que tenham as condições para executa-los. Para as pessoas terem liberdade formal, basta não serem proibidas de almejar algo. No entanto, para garantir a liberdade de fato, real, a liberdade substantiva do Nobel Amartya Sen, que permita que o almejado seja concretizado, é preciso que as pessoas tenham os meios.
Os parâmetros de pobreza utilizados no mundo são os mais variados. O IPEA[7] apresenta três faixas de pobreza, que atualizei: quem tem renda mensal de até R$ 70; desta até R$ 140; e desta até R$ 270 (1/2 SM), os dois primeiros parâmetros utilizados também para aplicação do Bolsa Família. Louve-se, no Governo Lula (até 2009, último dado), a muito significativa redução de tais contingentes: como % da população total, caiu, respectivamente, de 9 para 5; de 25 para 14 e de 44 para 29. MAS, é preciso rever tais parâmetros. Há gente afirmando ridiculamente que, nesse ritmo, em seis anos erradicaremos a pobreza: ou seja, quem, em 2017, ganhar o equivalente a R$ 70,01 (R$ 2,34/dia) não estará mais na extrema pobreza; quem ganhar o equivalente a R$ 270,01 (R$ 9,01/dia), não será pobre; se também não será rico, será classe média! Se formos mais exigentes com a definição de pobreza, chegaremos a bem mais do que aqueles 29%, percentual que já representa 55 milhões de pessoas[8].
No meu entender, pobre é quem não tem os meios para exercer liberdade substantiva. Parece ser consensual que tais meios exigem pelo menos o salário mínimo constitucional (Art. 7º.-IV), que o DIEESE calculou, para fevereiro/2011, em R$ 2.194 para uma família de três adultos. Ou R$ 731 por pessoa por mês. Se Dilma aceitar os R$ 108 que lhe tem sido propostos, levaremos vinte anos, aumentando este parâmetro em 10% ao ano reais, para chegar ao equivalente a R$ 731, linha de pobreza que proponho para reiniciar a discussão em outro patamar.
O hiato de pobreza, o valor necessário para levar todos os pobres à linha de pobreza, está em 4,6% da renda do total das famílias do Brasil. Isto, considerado o parâmetro de R$ 270. Com o parâmetro de R$ 731, o hiato deve certamente se elevar para a casa dos 30%. Com este parâmetro teríamos, ainda, a elevação da proporção de pobres dos 29% para talvez mais de 60%. É muitíssimo mais complicado elaborar um Projeto de Nação tendo os R$ 731 como parâmetro. Mas, se queremos justiça social, mesmo que a longo prazo, a verdade é indispensável, para que se possa planejar de modo a minimizar as falhas de mercado que são tão maiores quanto maior a desigualdade social e, aqui, estamos entre os piores.
Colocado o parâmetro em lugar mais justo, digamos os R$ 731, a alocação de valores para as políticas públicas vai depender de outras decisões políticas, escolhendo o prazo para a erradicação da pobreza frente às exigências das demais prioridades e as possibilidades da economia. O setor privado, ainda que por vezes com atraso, sempre atento às mudanças no perfil da demanda, de que depende seu lucro, também acabará investindo de modo compatível com a redução da pobreza. Um país com demanda interna mais igualitária tende a elevar a produtividade sistêmica/social e a garantir-se contra as crises mundiais persistentemente recorrentes. Dilma, ao final de março/2011, alertou-se para a impossibilidade de erradicar a pobreza a curto prazo. Com parâmetros mais justos, o prazo é ainda maior. A principal decisão política da Presidenta Dilma precisa e merece muito mais do que os R$ 20 ou R$ 30 bilhões anuais de que ouço falar se adotados os R$ 108. E honra sua luta iniciada na juventude.



[1] Sobre isto, o IPEA, no Comunicado no. 75, de fev/2011, pg. 15, analisando a Matriz de Contabilidade Social de 2006: “o incremento no gasto do Programa Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada, por exemplo, provocam, ao mesmo tempo, uma grande variação positiva do PIB e a maior queda na desigualdade”.
[2] IBGE/PNAD 2009.
[3] Relatório do INSS-2011, em seu “Site”.
[4] PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Relatório do Desenvolvimento Humano 2010
[5] Idem.
[6] Idem.
[7] Comunicado do IPEA no. 68, de out/2010.
[8] Idem.